Comparações são inevitáveis. E o mercado financeiro é pródigo nesse assunto. Diante das contradições do governo na área fiscal, vários analistas vêm se perguntando se o presidente interino, Michel Temer, está mais para José Sarney ou para Itamar Franco. Os dois ex-presidentes, ambos do PMDB, representam momentos bem distintos da história do país. Sarney fez um governo medíocre, com vários planos econômicos fracassados. Itamar, totalmente desacreditado, conseguiu a proeza de domar a inflação e recolocar o país no caminho da estabilidade ao lançar mão do Plano Real.
Temer, na avaliação dos agentes econômicos, ainda não se definiu para que lado penderá. Mas o tempo, que é curto, há de se encarregar de fazê-lo. Uma coisa é certa: se não cumprir a promessa de levar adiante reformas importantes, como a da Previdência Social, e não conseguir colocar as contas públicas em ordem, certamente encerrará seu mandato de forma melancólica, como ocorreu com Sarney. Nos quase três meses que está ocupando a cadeira mais importante do país, o interino prometeu muito, mas entregou pouco. Na verdade, só alimentou expectativas.
O discurso mais repetido pelos defensores de Temer é o de que julgá-lo agora é injusto. Num processo de interinidade, por mais poder que tenha o ocupante do Palácio do Planalto, é complicado tomar medidas duras. Essa situação fica mais difícil quando há um processo de impeachment no meio. Aos mais próximos, Temer tem reforçado que um novo governo começará assim que Dilma Rousseff for afastada de vez. Daí em diante se poderá, sim, fazer comparações de julgamentos. O peemedebista acredita que haverá surpresas positivas na travessia até o fim de 2018.
Contudo, não bastará apenas vontade para tocar projetos indispensáveis, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Temer terá que combinar o jogo com sua base de apoio no Congresso. Até agora, o que mais o interino fez foi ceder ao fisiologismo e ao desinteresse de parlamentares de tirar o país do atoleiro. Em quase todas as tentativas para botar o mínimo de ordem na questão fiscal, o peemedebista deixou a sensação de que o que menos importa neste momento é arrumar as finanças do país. A licença para gastar continua prevalecendo em relação ao bom senso.
Confiança
Sarney, como mostra a história, fez as escolhas erradas. Enganou a população logo no primeiro pacote econômico que lançou, com a promessa de debelar a hiperinflação. Criou, com o Plano Cruzado, uma falsa sensação de bem-estar ao congelar preços. Tão logo o seu partido se sagrou campeão nas urnas nas primeiras eleições após tomar posse, liberou um tarifaço que resultou em revolta da população. O Brasil ficou à beira de uma convulsão social. Dali em diante, nenhuma outra tentativa de colocar o país nos eixos deu certo. Sarney conseguiu terminar o governo conduzindo uma política batizada de feijão com arroz, sinônimo claro de fracasso.
Itamar, por sua vez, cercou-se de economistas brilhantes, aos quais deu liberdade para trabalhar. Apostou todas as fichas de que, naquele momento, após o impeachment de Fernando Collor de Mello, o Brasil teria condições de se livrar de vez da praga da inflação. O temperamento difícil do então presidente levantava dúvidas se realmente um plano econômico com a envergadura do Real seria colocado em prática. Itamar surpreendeu, sobretudo por não se render ao corporativismo de várias categorias trabalhistas e ao fisiologismo do Congresso.
Como ressaltam os analistas que tentam decifrar Temer, o peemedebista tem uma vantagem grande: assim como Itamar, nomeou pessoas extremamente competentes para a área econômica. O time comandado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sabe perfeitamente o que é preciso ser feito para que o país saia da recessão, volte a crescer de forma sustentada, crie empregos e distribua renda. A credibilidade desse grupo é tamanha que, mesmo não tendo feito nada de efetivo até agora, apenas apresentado propostas, conseguiu mudar o humor no país, melhorar os índices de confiança e abrir focos de luz no horizonte.
O problema é que, com todas as concessões que estão sendo feitas, principalmente as que beneficiam estados que não têm o menor compromisso com o equilíbrio fiscal, Temer macula a imagem da equipe econômica. A meta do grupo chefiado por Meirelles era impor limites duros para os gastos com pessoal dessas unidades da Federação. Mas, diante do lobby de governadores, de servidores do Judiciário e das assembleias legislativas, todas as contrapartidas para o alívio de R$ 50 bilhões que os estados terão em suas dívidas foram parar no lixo. A versão Sarney de Temer nunca foi tão explícita.
Populismo
Os investidores acreditam que ainda há tempo de o presidente interino fazer um governo marcante. Para isso, deve se afastar da tentação do populismo. Se ele se preocupar apenas em aparecer bem nas pesquisas de opinião, assinará rapidamente sua sentença. Pode, inclusive, terminar o mandato como Dilma, apontada como uma das piores chefes de Estado da história. Ela deixou o Brasil de joelhos, atolado na pior recessão de que se tem registro, com 11,6 milhões de desempregados e o futuro da maior parte da população hipotecado.
Exemplos, portanto, não faltam para Temer. Resta saber se ele terá a sabedoria necessária para conduzir o país para bem longe da crise. Um técnico da equipe econômica resume, com perfeição, o que todos esperam do interino: “Que os interesses da população estejam acima de todos os interesses políticos”. É duro dizer, mas, infelizmente, ainda estamos longe de acreditar nisso.
Brasília, 00h01min