O presidente interino, Michel Temer, já está pedindo aplausos para seu governo. Acredita que, passados dois meses desde que chegou ao Palácio do Planalto, conseguiu o feito de mudar a cara do país. O peemedebista não deveria demonstrar tanta euforia. Basta uma análise mais aprofundada na economia para ver que o Brasil está muito longe de sair da maior recessão da história. Os números do varejo, com queda de 9% em maio ante o mesmo mês de 2015, e do setor de serviços, com contração de 6% na mesma base de comparação, indicam que a esperada recuperação para o segundo trimestre do ano não ocorreu e, se tudo der certo, pode ser que, entre julho e setembro, a atividade mostre algum suspiro.
Em vez de cantar vitória antes do tempo, Temer deveria concentrar as atenções para o que está ocorrendo no Congresso. A fragmentação dos partidos de sua base, sobretudo no centrão, aponta que o controle que o Palácio do Planalto acredita ter na Câmara dos Deputados não é tão forte. É certo que o vencedor da disputa pela Presidência da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estará alinhado com o presidente interino. Mas isso não é garantia de sucesso. Uma base dividida é sempre problema à vista. Assim, Temer corre o risco de ficar mais dependente do fisiologismo para levar adiante projetos vitais para tirar o país do atoleiro, ou seja, terá que adoçar, constantemente, a boca dos parlamentares.
O que torna a vida de Temer menos tranquila é a urgência de aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior. O Planalto dava como certo que esse importante instrumento para controlar despesas seria votado rapidamente neste ano. Mas o sinal de alerta foi ligado e surgiu no horizonte um risco concreto de frustração. Para a equipe econômica, se a PEC não sair neste ano, será o pior dos mundos, pois esse é o único instrumento concreto para um ajuste fiscal de verdade. Se a proposta for derrotada, todo o discurso de austeridade difundido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, irá por água abaixo.
Peça de ficção
Para se ter ideia do peso da aprovação da PEC, os investidores já nem olham mais para os rombos projetados para as contas públicas neste ano e no próximo. Também não contam mais com a reforma da Previdência em 2016. O que eles querem é ter a certeza de que, a partir do ano que vem, os gastos crescerão menos do que a inflação. Mais do que isso: querem uma mudança estrutural no Orçamento do governo, hoje uma peça de ficção na qual cabe tudo, inclusive inflar receitas para agradar grupos de interesses com lobby pesado em Brasília.
Por enquanto, há, no mercado, a certeza de que Temer levantará a PEC como troféu. Tanto que o dólar e a bolsa de valores estão sendo guiados pelos bons ventos que sopram no exterior, devido à decisão do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, de adiar a alta dos juros, e de a saída do Reino Unido da União Europeia estar sendo conduzida de uma forma menos traumática. Tudo, porém, pode mudar da noite para o dia. Nos mercados, ao menor sinal de fragilidade do presidente interino, o clima azedará. Os investidores não costumam ser complacentes com presidentes fracos.
A aprovação da PEC dos gastos também é fundamental para o Banco Central, pois será a senha para que o Comitê de Política Monetária (Copom) possa dar início ao processo de corte da taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. A torcida dentro da instituição é para que a proposta seja avalizada pela Câmara e pelo Senado até outubro, quando o afrouxamento monetário deve começar, segundo o grosso das apostas do mercado. Com a PEC nas nãos, o BC teria coragem de reduzir os juros mesmo com a inflação ainda distante do centro da meta, de 4,5%, pois tiraria de seu radar a gastança desenfreada dos últimos anos que levou o país para o buraco.
Mão na massa
A equipe econômica já avisou que não esperará a aprovação da PEC para elaborar o projeto de Orçamento de 2017. As projeções de despesas levarão em conta a inflação estimada para este ano. Contudo, a preocupação é enorme, principalmente porque não está fácil arrumar as despesas extras de R$ 55 bilhões necessárias para evitar que o deficit estimado para o governo central no próximo ano não supere os R$ 139 bilhões.
O governo, para impressionar os investidores, está atirando para tudo quanto é lado. A cada momento, solta um balão de ensaio para mostrar que promessa é dívida e não haverá decepção quanto ao cumprimento da meta. Apesar de todas as concessões e privatizações anunciadas extraoficialmente, o que realmente está em mente é o aumento de impostos. A equipe econômica tem em mãos estudo corrigindo até 15 tributos. A lista vai da Cide, que incide sobre os combustíveis, ao PIS/Cofins e ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Um dos mais importantes auxiliares de Meirelles afirma que o quadro é dramático e o governo não pode vacilar um momento sequer na aprovação da PEC dos gastos. É ela que será o principal instrumento para que Temer mostre aos agentes econômicos que um dos maiores males do país terá solução a médio e a longo prazos. “Nunca um governo dependeu tanto de um único projeto para sobreviver”, ressalta o técnico. “A aprovação definitiva do impeachment dará respaldo a Temer. Mas o que garantirá o futuro do governo será a PEC dos gastos”, emenda. “Portanto, é hora de pôr a mão na massa e não de cantar vitória precipitadamente”, conclui.
Brasília, 01h10min