Coluna no Correio: Receita do crescimento

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O governo está apostando todas as fichas que a retomada das obras de infraestrutura será o grande diferencial do país para a o fortalecimento do crescimento econômico em 2017. Há, porém, muitas dúvidas entre os investidores em relação aos projetos que serão concedidos à iniciativa privada. Teme-se que o Palácio do Planalto desperdice uma grande oportunidade para incrementar o Produto Interno Bruto (PIB), reduzir o desemprego e ampliar a competitividade do país.

“A demanda na área de infraestrutura é enorme”, diz Gesner Oliveira, presidente da consultoria GO Associados. “Mas é preciso que os projetos sejam bons, viáveis tanto do ponto de vista técnico quanto do financeiro”, ressalta. Ele conta que, em conversas recentes com investidores em Nova York e em Cingapura, a demonstração de interesse pelo Brasil foi enorme, mas todos ressaltaram a necessidade de segurança jurídica nos contratos. Isso inclui a aprovação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. O capital não quer ter surpresas desagradáveis, como uma improvável volta da petista ao poder.

Gesner diz o potencial hoje de empreendimentos que o governo pode conceder à iniciativa privada chega a R$ 70 bilhões, mais do que o dobro do que a equipe econômica pretende arrecadar com concessões e privatizações no ano que vem — algo entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Para chegar a tal número, o presidente da GO levou em consideração a segunda etapa do Programa de Investimento em Logística (PIL) lançado por Dilma, mas que nunca saiu do papel. “Esprememos o que foi possível. Dos R$ 198 bilhões previstos originalmente, chegamos aos R$ 70 bilhões”, assinala.

Ele acredita que todos os projetos listados no PIL devem estar sendo revisados agora, de forma a se tirar da lista projetos que não têm a menor chance de serem levados adiante. “É preciso ser realista. O potencial existe, mas tudo o que for oferecido deve ter consistência”, acrescenta. Para o economista, o Estado tem muito o que fazer em áreas cruciais para a população, como saúde, educação e segurança pública. Portanto, não deve se preocupar com portos, aeroportos, rodovias, ferrovias. Isso cabe à iniciativa privada, que também pode assumir papel relevante no saneamento básico.

Efeito multiplicador

Pelos cálculos de Gesner, os projetos de infraestrutura orçados em R$ 70 bilhões podem se transformar em R$ 220 bilhões. “O efeito multiplicador é muito grande”, diz. Compara-se ao que se viu com a Petrobras até a Polícia Federal desnudar o maior processo de corrupção do país. Para cada R$ 1 investido pela estatal, outros R$ 3 eram acrescentados à economia. “Mas não é só”, afirma o presidente da GO. “Os projetos que avaliamos têm força para criar 4 milhões de empregos. É um número impressionante se considerarmos que, nos últimos 12 meses, o Brasil fechou 1,8 milhão de vagas formais.”

A grande vantagem do país neste momento, se realmente levar à frente os programas de concessões e de privatização, é a farta liquidez internacional. Com os juros nos Estados Unidos, na Europa e no Japão próximos de zero ou negativos, o capital está ávido por se multiplicar. “Mas é preciso lembrar que essa janela não ficará aberta por muito tempo. Os juros nos EUA vão subir, e isso atrairá recursos que poderiam vir para o país”, destaca Gesner. A expectativa é de que o custo do dinheiro comece a aumentar na maior economia do planeta a partir do primeiro trimestre de 2017.

Com as grandes empreiteiras quebradas e envolvidas até o pescoço com a Lava-Jato, o presidente da GO acredita que o programa de privatização e de concessão terá dois protagonistas: grupos estrangeiros reconhecidos como operadores estratégicos para operar portos, aeroportos, rodovias e ferrovias e fundos de investimentos, os verdadeiros donos do dinheiro. Na maior parte dos casos, esses fundos administram a poupança que garantirá a aposentadoria de milhares de trabalhadores. Como, nos seus países de origem, o retorno é baixo, precisam se aventurar pelo mundo em busca de boas oportunidades.

Medidas impopulares

Na opinião de Gesner, nada no Brasil andará se o governo não fizer um ajuste fiscal consistente. Segundo ele, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior é um grande passo. A aprovação dessa medida pelo Congresso deve vir acompanhada da reforma da Previdência. “Temos que dar mostras inequívocas aos investidores de que a economia está entrando nos eixos”, afirma. Ele reconhece, porém, que são medidas impopulares, que exigirão esforço redobrado do governo.

“O ideal é que a PEC dos gastos seja aprovada ainda neste ano. Mas temos que ser realistas em relação ao calendário eleitoral. A aprovação do ajuste ficará espremida em novembro”, ressalta Gesner. No entender dele, o governo tem que explicitar à população que não há milagres para tirar o país da grave situação em que se encontra. Se vencer a batalha da comunicação, o presidente interino, Michel Temer, terá condições de forçar o Congresso a entregar o tão desejado equilíbrio das contas públicas. Não só isso. Permitirá ao Banco Central dar início ao corte da taxa básica de juros (Selic).

Gesner é enfático: “Não há saída fácil”. Isso vale, inclusive, para a política cambial. O BC vem tentando, nos últimos dias, encontrar um ponto de equilíbrio para o dólar, reduzindo a volatilidade sem recorrer a intervenções pesadas. A moeda norte-americana vem oscilando entre R$ 3,10 e R$ 3,30. “Uma coisa é certa: não podemos repetir os erros do passado, usando o dólar para controlar a inflação”, ressalta.

A receita, portanto, está dada. Agora, é esperar para ver se, depois do impeachment de Dilma, o governo Temer entregará tudo o que se espera dele: coerência, eficiência e responsabilidade fiscal. Uma coisa é certa: o tempo para não desapontar encurtou demais. A hora da verdade está a pouco mais de uma semana.

Brasília, 05h01min

Vicente Nunes