Faz parte do jogo o governo assumir o papel de animador da economia, sobretudo depois de anos de profunda recessão, desemprego em alta e inflação que não dá trégua. Mas acreditar que o programa de concessões anunciado ontem pelo presidente Michel Temer impulsionará rapidamente o ritmo da atividade é outra coisa. Por enquanto, o que o Palácio do Planalto colocou nas ruas é um grande plano de intenções, cujos resultados só começarão a ser sentidos no fim de 2017. É quando os investimentos esperados em obras de expansão da infraestrutura começarão a dar as caras.
Há muitos nós a serem desatados. Os investidores precisam ter a confiança de que as regras fixadas pelo governo não serão mudadas no meio do caminho. Os juros terão de cair e o crédito voltar a jorrar. O governo anunciou linhas de R$ 30 bilhões que virão dos bancos públicos e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Não especificou as taxas desses financiamentos, mas, para estimular o capital a assumir riscos, elas não podem ser muito maiores do que os 14,25% ao ano fixados pelo Banco Central — a taxa real, descontada a inflação, está em 7%, algo sem precedentes no mundo.
Além disso, as tradicionais operadoras dessas obras, as empreiteiras, estão enroladas até o pescoço com a Operação Lava-Jato, que desvendou o esquema de corrupção que saqueou a Petrobras. Aquelas que não entraram em recuperação judicial estão prestes a fazê-lo. Para que o país atraia players estrangeiros, precisa mudar, rapidamente, a regra que determina um limite de conteúdo nacional nas obras. Isso não ocorrerá da noite para o dia.
É importante que, neste momento tão difícil pelo qual passa o país, o governo admita a sua incapacidade de tocar obras vitais para o crescimento e o aumento da competitividade da economia. Obras de infraestrutura devem ser responsabilidade da iniciativa privada. Mas, nos últimos anos, o capital foi machucado. Neste momento, está lambendo as feridas, à espera de uma administração mais ativa, realmente comprometida com o ajuste fiscal e com a estabilidade econômica. Sem previsibilidade, não há como se falar em investimentos de prazos tão longos.
Anos de decepção
Para técnicos conceituados do governo, o plano de concessões que envolve 25 projetos, entre aeroportos, rodovias e ferrovias, é um passo importante, principalmente para mostrar que há uma direção na condução do país. Depois do impeachment de Dilma Rousseff e da cassação de Eduardo Cunha, a hora é de priorizar a economia, sem a qual Temer não conseguirá ir muito adiante. Os técnicos dizem que, para o programa não sair do zero, a opção foi por usar parte dos projetos elaborados no governo passado, especialmente o que concede os aeroportos de Porto Alegre, Salvador, Florianópolis e Fortaleza à iniciativa privada. “Era o que tínhamos de mais bem estruturado”, diz um dos técnicos.
O governo acredita que, depois de anos de decepção, os investidores vão embarcar no programa mais cedo do que muitos imaginam. O engajamento, porém, será maior à medida em que o Congresso foi dando o aval para arrumação das contas públicas. Não por acaso, o Planalto decidiu escalar grupos para atuar em duas frentes. Na primeira, convencendo os donos do dinheiro de que vale a pena aplicar no Brasil devido ao seu potencial, já que a carência de infraestrutura é enorme e os juros lá fora estão próximos de zero. Na segunda, unindo a base aliada para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior.
“À medida em que o ajuste fiscal for avançando, veremos as taxas de juros caindo e o empresariado liberando o espírito animal”, diz um auxiliar do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Mas, por enquanto, isso é mais desejo do que realidade”, admite. A equipe econômica está consciente de que o processo de adesão ao programa de concessões deslanchará quando as regras estiverem bem claras. Não se verá nada parecido com o que prevaleceu na administração de Dilma, em que o Planalto queria definir o tamanho do retorno do investimento.
Fundo do poço
Na opinião de Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Corretora, a iniciativa do governo de estimular a economia por meio de concessões é louvável, mas está longe de provocar euforia ou otimismo. Ele diz que a atividade está ainda se debatendo para sair no fundo do poço da recessão, e não será somente um conjunto de boas intenções que mudará o ritmo das coisas. Pelos cálculos dele, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá apenas 1% em 2017, depois de cair 7% nos dois anos anteriores. “Para mudar a história, o país precisaria de um megaprograma de investimentos. Não é o que temos”, afirma.
A fragilidade da economia, no entender de Silveira, pode ser medida pelos dados de julho do varejo. As vendas dos super e hipermercados, ou seja, de comida e de bebida, os últimos itens que os consumidores cortam, recuaram 0,1% depois de terem caído 0,4% em junho. Já vestuários e calçados tombaram 5,8%. Os números confirmam que a renda dos trabalhadores continua encolhendo. Sem o restabelecimento do consumo das famílias é difícil falar em uma economia forte.
“Talvez, na melhor das hipóteses, teremos, no terceiro trimestre do ano, uma variação próxima de zero do PIB. O processo de recuperação do país, com ou sem plano de concessões, será muito mais lento que o desejado”, assinala Silveira. Portanto, o governo não pode se apegar a pequenas coisas para dar um gás na economia. O programa de concessões é apenas o primeiro passo para a retomada. Vamos ver como Temer se sairá na regência da orquestra. Se desafinar, pagará muito caro.
Brasília, 05h30mim