Com Raquel Dodge à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a perspectiva de uma relação mais tranquila com o Ministério Público, o presidente Michel Temer só quer saber de temas econômicos quando desembarcar no Brasil, na quinta-feira. E já no dia de seu retorno terá uma boa ajuda do Banco Central para engrossar o discurso de que o país está entrando em um ciclo de crescimento sustentado.
A perspectiva é de que o BC aumente a projeção de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, de 0,5% para 0,7% ou 0,8%, movimento que deverá ser seguido pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento na sexta-feira. Assessores de Temer alegam que as estimativas da autoridade monetária, divulgadas em junho, estão defasadas, sobretudo em relação ao consumo das famílias, que vem mostrando uma força impressionante.
Pelos dados do último Relatório Trimestral de Inflação, a previsão do BC era de que o consumo das famílias encerrasse o ano com variação zero. Mas os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no segundo trimestre surpreenderam para melhor. E o BC precisa atualizar seus números. Não se pode esquecer que o consumo dos lares responde por mais de 60% do PIB do lado da demanda.
Questão polêmica
Para o Planalto, está claro que a situação atual da economia, mesmo melhorando depois da vírgula, é muito melhor do que a registrada em junho, quando o Banco Central fechou o Relatório de Inflação. Naquele momento, o ambiente estava totalmente contaminado pelas delações da JBS, que espalharam pânico. De lá para cá, ficou mais claro que a atividade havia se descolado da política. A confiança de consumidores e empresários se manteve firme.
Um técnico do governo ressalta que, muito provavelmente, o BC não levou em consideração, nas estatísticas de junho, o impacto da liberação dos recursos das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Não em sua totalidade. A instituição também não teria dimensionado, na proporção real, o efeito da força da queda da inflação na renda das famílias, que reduziram o endividamento. São questões relevantes.
Assessores de Temer reconhecem que, para o BC, mais do que o crescimento, o que importa é o comportamento da inflação. Mas, neste momento, é importante que a autoridade monetária engrosse o coro de que a retomada é gradual e para valer. A ansiedade é tão grande que os mais otimistas não descartam uma projeção ainda maior de avanço do PIB pela autoridade monetária, de 1%. Para 2018, os bumbos palacianos estão rufando por crescimento mínimo de 3%. “Vamos ver uma retomada da economia sem pressões inflacionárias. Isso é muito bom”, afirma um dos auxiliares presidenciais.
Apelo por trégua
Na opinião de Rafael Cardoso, economista da Daycoval Investimentos, além do consumo das famílias, os gastos maiores do governo, que ampliou a meta de deficit de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões, e uma ligeira melhora nos investimentos vão garantir crescimento acima do 0,5% indicado até agora pelo BC. Ele destaca que a leitura da economia é positiva, principalmente por causa da inflação, que, mensalmente, tem ficado abaixo das estimativas do mercado e do BC.
Cardoso acredita que o quadro favorável permitirá juros reais, que descontam a inflação projetada para 12 meses à frente, entre 2% e 3% por um longo período, um forte incentivo à demanda por crédito. No entender dele, o BC, que, desde outubro do ano passado, derrubou a taxa básica de juros (Selic) de 14,25% para 8,25%, está ávido por comprovar a quebra estrutural do processo inflacionário. Isso significa um repasse menor do custo de vida para a inflação futura. No economês, esse repasse é definido como inércia.
O economista da Daycoval acredita que o BC está no caminho certo. A expressiva queda dos juros, que podem chegar a 7%, dará um bom estímulo à atividade. Resta torcer para a política dar trégua. Quanto mais Brasília se acalmar, mais rápido será a recuperação da economia.
Brasília, 06h08min