Coluna no Correio: Pivô da transformação

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ANTONIO MACHADO

Meio assim como nos Estados Unidos, onde Donald Trump contrariou as pesquisas de opinião, os principais veículos da imprensa e os caciques de seu partido ao se eleger presidente, Michel Temer manteve não somente a faixa presidencial, como derrotou a tese de acusação do procurador-geral da República e os muitos que anunciaram seu velório político. Se nos EUA a opinião publicada se deixou influenciar pela opinião pesquisada mais nas grandes cidades que no fundão do país, que deu a Trump os votos que o elegeram, aqui o resultado provavelmente foi reflexo não da alienação da sociedade em relação à política e, sim, do desprezo dos analistas ao que ocorre desde a fim da ditadura – o protagonismo dos partidos de centro como pivô do Congresso.

Nessa geometria partidária, Temer é grão-mestre. Eles são muitos e se dividem em várias legendas, do PMDB ao PP, do PSD ao PTB, embora estejam unidos por afinidades. Desunem-se pelo incentivo perverso do dinheiro do fundo partidário e das emendas ao orçamento federal. Elas permitem a cada parlamentar patrocinar pequenos investimentos com fundos fiscais em suas bases eleitorais. Nos tempos de pureza ideológica, os deputados do PT não propunham emendas ao orçamento – uma prática ruim, ao dispersar fundos escassos em obras nem sempre relevantes, além de apequenar a atividade parlamentar em Brasília.

De Collor a Dilma, todos se serviram desse expediente, usado para enquadrar o parlamento. Isso acabou em 2016 com o tal do orçamento impositivo, que limitou a barganha do “é dando que se recebe”. Ao acarinhar deputados, portanto, Temer só antecipou a liberação do que terá de ser desembolsado até 31 de dezembro, inclusive à oposição, ou R$ 6,3 bilhões. Mas é fato que esse sistema político faliu. O que fazer é questão em aberto. Ao negar a abertura de processo contra Temer no STF, a Câmara fez mais que desautorizar a denúncia do procurador-geral. Ela avocou a prerrogativa de desinterditar a economia, o que implica muito mais que reformar a previdência.

Implica fazer do “centrão” o condutor das reformas que desobstruam o crescimento e o emprego, visando transformar a imagem caricatural de partidos da boquinha em centro dinâmico da política, talvez uma frente que se apresente como opção ao desgaste do PT e do PSDB.


Os riscos do desgoverno


Parece, por ora, mais desejo que algo viável, mas é certo que nada passa no Congresso sem o voto desse grupo, e é ainda mais certo que depois da Lava Jato todos os partidos terão de se reinventar.
Essa é o movimento político que está em curso, movido por ao menos três motivações. O avanço da Lava Jato sobre o Congresso é ainda a causa principal. Mas menos pelo receio da Justiça que pela intuição de que a sanção pelo eleitorado tenderá a ser exemplar.

Não menos preocupante é a situação das contas públicas, com o caos do Rio de Janeiro como antessala do que acontecerá ao país, se nada for feito para encabrestar as corporações da elite do funcionalismo e o viés de insolvência da previdência, cujo déficit, segundo Dyogo Figueiredo, ministro do Planejamento, cresce R$ 50 bilhões ao ano.
Há, enfim, a percepção de que o controle sobre o Estado nacional é a cada dia mais poroso, criando o risco de ingovernabilidade que se tem tornado frequente nos alertas cautelosos dos chefes militares.


Sabotando o saneamento


O governo começa a discorrer sobre tais riscos ao tentar convencer sua base parlamentar a manter o projeto original de refinanciamento de dívidas tributárias e não se opor à revisão das desonerações.  O caminho do saneamento das finanças públicas, cuja destruição é a causa primária do quadro avançado de degradação econômica e social, é inglório, já que o governo enfrenta o ceticismo generalizado – em boa parte devido ao seu histórico de cumplicidade com a insensatez fiscal -, é sabotado por dentro da própria administração e não tem o benefício da dúvida da imprensa e de setores do empresariado. Muitas entidades empresariais são a outra face do fisiologismo dos partidos do tal centrão, apoiando só de boca a economia de mercado. Querem menos impostos, mas pedem Refis camaradas, desonerações que desfalcam a arrecadação e se agarram ao protecionismo comercial.


Temer, Maia e Meirelles


Os próximos dias, não semanas, serão decisivos para Temer e para o futuro imediato, menos por ele e, sim, pela capacidade de o centro político se apresentar como força reformista e responsável tal como o presidente concebe. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e também Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, partilham o sentimento. Se faltar chão ao avanço da reforma da previdência, o governo não acaba, mas se tornará dispensável. Se for aprovada ao menos a idade de 65 anos e, em especial, o fim das iniquidades da elite intocável do setor público, é possível cogitar algo forte sobre o estoque da dívida e seu financiamento gravoso. A sarneyzação ainda é um risco possível, mas evitável se Temer convencer o centrão a se reformar.

Vicente Nunes