Diz a sapiência popular que, quando uma pessoa está tentando se justificar demais, é porque fez algo muito errado ou está com a consciência pesada. Pois esse ditado cabe perfeitamente ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que ocupou boa parte de sua agenda de ontem para dizer que não foi derrotado nem perdeu força diante da decisão da Câmara dos Deputados de manter a farra dos governadores na concessão de reajustes a servidores e na realização de concursos públicos. Até os parlamentares mudarem o projeto de renegociação das dívidas dos estados, aprovado na madrugada de quarta-feira, o ministro dizia que a proibição a esses itens por dois anos era inegociável. Perdeu.
Meirelles construiu, com seus assessores, um discurso pouco convincente. Ao ser questionado sobre sua derrota, afirmou que a proibição para reajustes ao funcionalismo e para a realização de concursos não era relevante, uma vez que o projeto manteve o limite para o aumento de gastos dos estados à inflação do ano anterior. Mas, se não era importante, por que então ele se desgastou tanto para manter esse ponto no projeto de renegociação das dívidas? Nos últimos dias, o ministro operou pesado nos bastidores para fazer valer o seu ponto de vista. A proibição para reajustes e concursos entrou e saiu do projeto relatado pelo deputado Esperidião Amim diversas vezes, até que prevaleceu a posição da Câmara.
O chefe da equipe econômica sabe que seu cartaz com os investidores já não é mais o mesmo de três meses atrás, quando tomou posse. Mas ele está se fiando na reputação que construiu ao longo dos anos para acomodar as derrotas que vem colecionando no governo. Meirelles sabe que, neste momento, o que realmente importa para os donos do dinheiro é a aprovação, pelo Senado, do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Se o governo está fazendo concessões para sair vitorioso nessa disputa política, é o preço a pagar. Nesse ponto, o ministro está coberto de razão.
A partir do pós-impeachment, porém, Meirelles não terá essa complacência toda. Cada nova derrota que venha sofrer, cada recuo que seja obrigado a dar, tudo será computado nos preços dos ativos (dólar, bolsa de valores e juros). Os investidores, inclusive, já anteciparam o prazo que darão para o governo aprovar, no Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos da União à inflação do ano anterior: fim de outubro, logo depois das eleições municipais. Eles não concebem a ideia de que a votação da PEC se arreste, a ponto de ficar para 2017. Se isso acontecer, certamente o ministro será carimbado como fracassado e o tão esperado ajuste fiscal será uma miragem.
Prioridade máxima
O fogo cruzado contra Meirelles também aumentará devido à ansiedade dos agentes econômicos pela redução das taxas de juros. Sem sinais claros de que o ajuste fiscal avançou, o Banco Central não se sentirá confortável para derrubar a Selic, que está em 14,25% ao ano. Nos recentes encontros que tiveram com economistas de mercado, tanto o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, quanto os diretores de Política Econômica, Carlos Viana, e de Assuntos Internacionais, Tiago Berriel, explicitaram que não bastará apenas que as estimativas de inflação para 2017 caiam.
O BC, dizem eles, quando avalia as perspectivas para os juros, olha um conjunto de fatores. Se o ajuste fiscal fracassar, a Selic pode não cair ou recuar bem menos do que seria possível num mundo de taxas negativas e num país mergulhado na mais grave recessão em quase 100 anos. Ou seja, Meirelles pode ser acusado de inviabilizar o trabalho da autoridade monetária, provocando uma gritaria contrária que, em nada, interessa ao presidente interino, Michel Temer.
“Estamos vendo que a inflação não dá trégua, devido aos preços dos alimentos. Portanto, é importante que a Fazenda ajude o BC a reduzir as pressões sobre o custo de vida”, diz um técnico da autoridade monetária. Ele reconhece que, até agora, mesmo com todos os recuos de Meirelles, a confiança no governo está se fortalecendo e as previsões para a inflação caindo semanalmente. “Não há por que acreditar que teremos problemas com o ajuste fiscal. O compromisso demonstrado pelo ministro é de que a arrumação das contas públicas é prioridade máxima. Percalços são comuns no meio do caminho, principalmente numa trajetória tão tortuosa quando a que estamos vendo”, acrescenta.
Para os investidores, independentemente dos problemas que o governo venha a ter, os resultados terão que aparecer. Até agora, dizem, tudo o que se está vendo em relação ao ajuste fiscal prometido pela União é promessa, e nos projetos que poderiam dar um alento, como o da renegociação das dívidas dos estados, a emenda está saindo pior do que o soneto.
Brasília, 05h09min