POR PAULO SILVA PINTO
São impressionantes os números relatados pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na transmissão da Presidência do Banco Central (BC) de Alexandre Tombini a Ilan Goldfajn, no começo da semana. As receitas da União subiram 14,5% em termos reais entre 2008 e 2015. Não é algo a comemorar, afinal, arrecadação crescendo acima da inflação significa mais dinheiro saindo de nossos bolsos. O atenuante é que ficamos mais ricos nesse período — ainda que em 2014 o Produto Interno Bruto (PIB) tenha estagnado, despencando no ano seguinte, o período anterior foi de prosperidade.
Não doeu muito, portanto, arcar com mais impostos. Só que quem vai pagar uma conta alta mesmo são as gerações futuras. Se a receita aumentou, os gastos cresceram muito mais: 51%. O resultado desse descompasso é que a dívida passou de R$ 1,7 trilhão para R$ 2,2 trilhões entre o início e o fim do período. A conta de juros subiu de forma abrupta, de R$ 165,5 bilhões em 2008 para R$ 501,8 bilhões em 2015. Isso é, ao mesmo tempo, causa e consequência do aumento da dívida. Como ela é maior, torna-se mais cara. E, como é custosa, não conseguimos pagar tudo o que vence, fazendo com que o montante das obrigações aumente.
Isso deveria servir de alerta para os brasileiros defenderem menos gastos públicos, inclusive em itens importantes, mas que deveriam custar menos, para termos um Estado com estrutura razoável. Em vez disso, o que o voluntarismo sugere é que se paguem menos juros e pronto. Embora a ideia seja defendida frequentemente por pessoas de esquerda, não é exclusiva de quem está nessa posição do espectro político. Vários ideólogos ligados a empresários defendem a mesma coisa, até porque companhias precisam de capital para crescer e desejam reduzir o custo dos empréstimos.
Juros
A proposta de cortar os juros com o intuito de diminuir a despesa pública e o custo do crédito equivale a dizer, guardadas as devidas proporções, que deveríamos determinar ao açougueiro ou ao padeiro que reduzissem os preços à metade para resolver o problema da carestia. Ninguém em sã consciência acha que isso é possível. Argumenta-se, em sentido contrário, que o BC tem o poder de determinar o quanto paga pela dívida com juros pós-fixados, ao decidir qual será a Selic, a taxa básica da economia. É verdade, só que a autoridade monetária não pode fazer simplesmente o que quer, sob pena de criar um grande desarranjo na economia.
O contrário do recomendado é exatamente o que aconteceu a partir de agosto de 2011, quando Tombini decidiu cortar a Selic antes que fossem criadas as condições para isso. São fortes as suspeitas de que a presidente Dilma Rousseff tenha insistido nos cortes. O resultado, todos conhecemos: a inflação aumentou e a política monetária teve de retornar ao modo arrocho, aliás, levando a Selic a patamar bem superior ao do que o do início do processo de cortes.
Os juros, portanto, são um custo necessário para manter a credibilidade de todo o sistema. Sem esse trabalho, não há moeda, ou há apenas um arremedo disso, que perde valor constantemente. Manter os juros em um patamar elevado não é, certamente, o único instrumento disponível para preservar a estabilidade. Uma alternativa é fazer os gastos públicos caberem dentro do governo, de modo que a política fiscal ajude a monetária.
Uma crítica frequente desse pensamento é que o conceito de Estado mínimo é contrário ao bem-estar da população. Isso depende do que se queira dizer com a ideia. A sociedade deve decidir quais serviços quer: creches, educação básica, ensino superior, assistência médica, saneamento básico, estradas, subsídios para entes privados, etc. Resolvido isso, o ideal é buscar a menor estrutura possível para viabilizá-lo. Defender Estado mínimo deveria ser compreendido como a busca de uma estrutura enxuta para conseguir o que se quer. Mas não é o que entende. Como se fosse um tabu buscar eficiência.
Limites
É razoável que uma parte desses bens públicos seja viabilizada por empréstimos. Mas é preciso limitá-los ao que possa ser usado de forma contínua a longo prazo, por exemplo infraestrutura. Uma ferrovia pode ser paga em 30 anos porque vai durar tempo ainda maior. O que não se pode é tomar empréstimo para pagar a conta de gastos correntes e crescentes, como se deu no passado recente — e terá de seguir ocorrendo enquanto o país não voltar a produzir superavits primários.
Quando se recorre ao mercado financeiro é preciso reconhecer as regras e respeitá-las. Tem gente que acha bom o governo se endividar quando está tudo funcionando bem. Mas, quando a situação aperta, e os serviços da dívida passam a concorrer de forma incômoda com outros gastos públicos, passa a defender o calote. O saudoso senador Lauro Campos, hoje nome da fundação do Psol, votava contra qualquer autorização de empréstimos para o setor público, por entender que o crescimento das obrigações era nocivo ao país. Era uma posição coerente, qualidade que se tornou rara, inclusive na esquerda. O mais importante é os brasileiros escolherem o modelo que querem e assumir as consequências. Como diz o economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, “chegou a hora da verdade”.
Brasília, 07h37min