Salvo uma grande surpresa de última hora, Dilma Rousseff despediu-se ontem do mandato. E quem assistiu ao seu discurso — muito bem escrito, ressalte-se — e acompanhou as respostas que ela deu aos senadores que a questionaram, teve certeza do porquê a petista está sendo afastada do poder.
Dilma continua a mesma. Admitiu duas vezes que errou, mesmo assim, de forma tímida. Ela culpou a todos pela mais grave recessão da história do país, pela destruição das contas públicas, pelo desemprego de quase 12 milhões de trabalhadores. Colocou-se na condição de vítima, quando liderou o processo de destruição do Brasil.
Como na campanha à releição de 2014, pautada pela mentira, Dilma distorceu fatos, confundiu informações, deu respostas desconexas. Manteve a arrogância que lhe é característica, sem apresentar ideias concretas para tirar a economia do atoleiro. A petista foi incapaz de mostrar um projeto de governo caso o destino lhe devolvesse a presidência da República.
Dilma ficou mais preocupada em entrar para a história como a injustiçada. Repetiu a tese de golpe, quando está provado que ela, deliberadamente, desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que não é uma lei menor, como seus defensores tentam passar.
Acusou o atual governo de estelionato eleitoral por levar adiante um programa de governo diferente daquele aprovado nas urnas. Mas ela própria fez isso quando se reelegeu. Como candidata, negou que houvesse descontrole da inflação. Garantiu que não aumentaria preços da gasolina e da energia elétrica. Ressaltou que as finanças do país estavam em ordem.
Tão logo os resultados das eleições foram confirmados, a petista liberou o Banco Central para aumentar a taxa básica de juros (Selic) a fim de conter a inflação, que continuou galopante, devido aos fortes reajustes dos combustíveis e da conta de luz. Em 2014, mesmo com as pedaladas fiscais, o governo registrou rombo de R$ 32,5 bilhões em suas contas, buraco que saltou para R$ 111 bilhões no passado e chegará a R$ 170,5 bilhões neste ano.
Esperança e frustração
É triste ver Dilma submetida a um processo tão desgastante, por toda a sua história. Mas também não há como negar a incapacidade dela para conduzir o país. Quando ela chegou ao Palácio do Planalto houve um sopro de esperança e de renovação. O Brasil seria comandado por uma mulher, vítima da ditadura, sem os vícios do mundo político tradicional.
Essa perspectiva, porém, foi se desfazendo rapidamente. Percebeu-se uma presidente autoritária, com um viés intervencionista, acreditando que o Estado podia tudo. Pior: cercou-se de incompetentes e de corruptos, que foram pegos surrupiando os cofres de um dos maiores símbolos do país, a Petrobras.
Mesmo com todos os alertas de que o caminho pelo qual o país havia trilhado estava errado, manteve a empáfia, dando total aval à tal nova matriz econômica, cujos resultados estão aí: queda de mais de 7% no Produto Interno Bruto (PIB) em dois anos, aumento das desigualdades sociais, violência avassaladora e desconfiança quanto ao futuro.
Muita gente acreditava que, nos três meses em que ficou confinada no Palácio da Alvorada aguardando seu julgamento, Dilma tivesse feito uma reflexão sobre os motivos que a levaram a sofrer um impeachment. Pelo visto, continuou acreditando nos mesmos equívocos que levaram ao abreviamento de seu mandato. A petista, infelizmente, foi a maior culpada por todo o sofrimento a que está sendo submetida e ao trauma vivido pelo Brasil.
Fim da complacência
O fato, porém, de Dilma ser uma página virada, não diminui os desafios colocados pelo país. Muito pelo contrário. O sucessor dela, Michel Temer, terá que provar que merece ocupar o cargo mais importante da República. A urgência não permite vacilos, muito menos um presidente refém de grupos políticos viciados nas benesses oferecidas pelo Estado.
Temer já enfrenta a chantagem de seu próprio partido, o PMDB, que avisou não estar disposto a apoiar um projeto prioritário para o ajuste fiscal e o resgate da confiança: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a aumento de gastos à inflação do ano anterior. Se a PEC for enterrada, a crise que, se acredita, está ficando para trás voltará com uma violência sem precedentes.
Na avaliação de Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, as tarefas colocadas são para um estadista. Mas ele se mostra cético em relação à capacidade do peemedebista. “Temer, o partido dele e a maior parte das legendas aliadas não demonstram o empenho necessário para fazer as reformas que o país tando necessita”, diz.
O quadro é tão grave, destaca Freitas, que, mesmo com a aprovação da PEC do teto dos gastos, o governo registrará, em 2018, deficit fiscal de 1,5% do PIB. Com isso, a dívida pública flertará com os 90% do PIB. “Esses números são eloquentes quanto ao que precisa ser feito. Não serão medidas paliativas que resolverão os problemas”, ressalta.
A partir de amanhã, com o encerramento do impeachment, a complacência será riscada do dicionário dos agentes econômicos. Promessas serão vistas com desconfiança. Ou o governo mostra a que veio rapidamente, ou teremos de nos contentar com a mediocridade. Pior: com o ajuste sendo forçado pelo mercado, com mais inflação, recessão e desemprego.
Brasília, 00h01min