Coluna no Correio: Os dois lados da moeda

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Não há dúvidas de que o Palácio do Planalto tem bons motivos para comemorar os resultados dos leilões nas áreas de energia elétrica e petróleo, mas problemas não faltam ao governo. Além da denúncia contra o presidente Michel Temer, que está tramitando na Câmara dos Deputados, a bancada mineira prometeu barrar projetos de interesse do Executivo, pois se sentiu traída com a venda de usinas que pertenciam à Cemig. Mais: os R$ 16 bilhões arrecadados nos leilões dão um alívio no quadro fiscal, porém, a situação das contas públicas continua dramática.

A determinação do governo é tentar minimizar os problemas e maximizar as notícias boas. É do jogo. Mas não é possível olhar apenas um lado da moeda. Na opinião do presidente da Consultoria Macroplan, Cláudio Porto, os investidores, sobretudo os estrangeiros, deram um aval de confiança importantíssimo ao país. Contudo, o Brasil está atrasado em questões vitais para garantir o crescimento sustentado, como na reforma da Previdência Social. O que se está vendo agora é o início de uma tentativa de recuperação do terreno perdido.

Para o presidente da Macroplan, é preciso fazer um esforço redobrado no sentido de tirar as amarras do país. E o Congresso tem papel preponderante nisso. Ele acredita que o ambiente de negócios melhorou sensivelmente porque o atual governo definiu regras mais consistentes e favoráveis à iniciativa privada. Se os leilões de hidrelétricas e de campos de petróleo tivessem ocorrido, por exemplo, há dois anos, ainda na gestão de Dilma Rousseff, seriam fracassos retumbantes. “Avançamos, com certeza. O que os investidores querem é uma regulação minimamente previsível e sólida”, afirma.

A tendência é de que os próximos leilões de concessões e de privatizações atraiam mais capital estrangeiro para o país. “Há muitas boas oportunidades por aqui”, reconhece Porto. O governo, no entanto, não deve se precipitar para vender tudo o que pode apenas com a visão arrecadatória, como forma de evitar que o deficit fiscal estoure o teto fixado em lei, de R$ 159 bilhões neste ano e em 2018. Não será com receitas extraordinárias que conseguirá resolver os problemas das contas públicas. “Na pressa, o risco de se cometer erros aumenta. Pode-se vender ativos abaixo do preço real”, alerta.

Retorno de gigantes

Além do retorno ao país de gigantes como a ExxonMobil, que, por meio de um consórcio formado com a Petrobras, arrematou áreas para exploração de petróleo na Bacia de Campos, o presidente da Macroplan chama a atenção para a ausência de movimentos estatais nos leilões. Em outros tempos, o governo teria atuado nos bastidores para arregimentar as empresas controladas pelo Tesouro Nacional e seus fundos de pensão a fim de garantir as operações. Nessa empreitada, também se abriam as portas para a corrupção.

“O governo tem que deixar o caminho livre para a iniciativa privada. É dessa forma que teremos de volta os investimentos que o Brasil necessita para crescer”, ressalta o presidente da Macroplan. Se depender apenas do consumo das famílias, que, neste momento, está sustentando o Produto Interno Bruto (PIB), o país avançará lentamente. “Não podemos esquecer que a recuperação registrada até agora é cíclica, em cima de uma base muito deprimida. A capacidade ociosa das indústrias continua elevada e as famílias só voltaram a consumir porque botaram as contas em dia” acrescenta.

Pelos cálculos de Porto, é possível que o país cresça 3% ou um pouco mais em 2018. Mas, para isso, será necessário muito mais que o sucesso dos leilões que tanto animaram o governo. Há incertezas no horizonte, a começar pelas eleições presidenciais. Para o consultor, apesar de ter diminuído o risco de o Brasil mergulhar num populismo de esquerda ou de direita, não se tem a menor noção do que emergirá das urnas no ano que vem. Na hora de definirem suas estratégias de negócios, os investidores levam isso em consideração. Como enfatiza o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dinheiro não aceita desaforo.

“Independentemente de todos os poréns, há sinais de esperança”, afirma Porto. Para ele, o voto de confiança dos investidores veio em boa hora. É preciso então, que governo e Congresso se entendam e façam o que é preciso ser feito para que o futuro não seja apenas um desejo. Ao menor vacilo, a maré pode virar rapidamente. Que fique claro: já perdemos tempo demais.

Brasília, 06h06min

Vicente Nunes