Coluna no Correio: Olhando para o precipício

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Se não arrebatou todos os corações dos quase 300 investidores e empresários com os quais almoçou ontem em Nova York, o presidente Michel Temer conseguiu quebrar boa parte das resistências que muitos dos convidados tinham em relação a ele. Com um discurso afinado de defesa das reformas trabalhista e da Previdência e demonstrando confiança na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior, o peemedebista procurou afastar qualquer possibilidade de ser candidato à reeleição em 2018. Foi uma tentativa clara de reafirmar que usará todo o capital político de que dispõe para levar adiante temas impopulares, que não combinam com disputa eleitoral.

Na avaliação dos investidores, as reformas só vão sair se realmente Temer assumir o comando das negociações com o Congresso. Por mais que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tenha reconhecimento e respeito entre deputados e senadores, será preciso que o presidente chame para si as responsabilidades. Parte da base aliada com a qual o Palácio do Planalto conta para aprovar as PEC dos gastos e as reformas tem interesses políticos para 2018. Um Temer candidato certamente azedaria as relações, dificultando o andamento do ajuste fiscal. Ciente disso, o presidente frisou que fará o que for possível para manter bons laços com o Legislativo.

Apesar do voto de confiança, investidores mantêm a preocupação com a equipe de Temer. Os donos do dinheiro dizem que auxiliares do presidente, em especial, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, têm provocado ruídos desnecessários ao falarem das reformas. Eles têm antecipado propostas que ainda dependem de consenso dentro do próprio governo, incentivando manifestações contrárias, que consolidam, na população, o sentimento de que o governo quer acabar com direitos trabalhistas. “Se a população fica receosa, deputados e senadores acabam recuando no apoio aos projetos mais polêmicos. Isso é muito ruim”, diz um investidor convidado pelo Council of the Americas, que organizou o almoço com Temer.

Do discurso para a prática

Para os investidores, é fundamental que o governo consiga dar uma virada efetiva no humor do país. Por mais que se diga que o otimismo voltou e que os índices de confiança de empresários e consumidores melhoraram, ainda falta muito para que os agentes econômicos acreditem que realmente o Brasil está reconstruindo as bases para sair do atoleiro em que se encontra. “Vemos, sim, alguns avanços. Mas estamos muito no começo do que realmente se pode chamar de retomada da economia”, frisa um executivo que atua em um dos principais bancos de Wall Street. “O que não pode é o governo frustrar nesse início de largada. Será um desastre se isso acontecer”, reforça.

A visão no almoço de ontem com a presidente brasileiro foi a de que o Brasil tem condições de voltar a crescer de forma sustentada já a partir de 2017, mas essa fase virtuosa só se tornará realidade com a aprovação da PEC que limita o aumento dos gastos públicos. “Por enquanto, o país está olhando para o precipício. A queda, que se mostrava irreversível, foi abortada. Agora, é importante que o governo saia do discurso para a prática. Precisamos ter certeza do tamanho da força que Temer tem no Congresso. Se conseguir aprovar a PEC dos gastos, avançará com as reformas”, assinala um gestor de um grande fundo de investimentos, com bilhões de dólares aplicados no país.

O mesmo gestor afirma que o Brasil, se Temer fizer o dever de casa, terá como se destacar em um mundo que não vive sua melhor fase. Há incertezas políticas nos Estados Unidos. A Europa passa por um período conturbado por causa da crise migratória. A China ainda não conseguiu equilibrar seu modelo de crescimento e o Japão continua atolado na recessão. “Portanto, as oportunidades para o Brasil estão colocadas, sobretudo com a decisão do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, de manter inalteradas as taxas de juros”, destaca.

Camisa 10

Para um ministro com grande trânsito no Planalto, Temer vestiu a camisa das reformas. Segundo ele, praticamente todas as resistências que o presidente tinha quando as propostas de mudanças na Previdência e na lei trabalhista foram postas na mesa se dissiparam. “Temer se conscientizou de que não há outro caminho. Ou aproveita os dois anos que tem de mandato, que é legítimo, para dar uma guinada no país, ou passará para a história como um líder medíocre. Tanto ele sabe disso que resolveu tomar a frente dos debates”, assinala.

Daqui por diante, avisa um assessor do Planalto, o presidente terá como mantra a necessidade de aprovação das reformas e da PEC dos gastos. Carregará no discurso os riscos que o país corre. O presidente dirá que, sem apoio do Congresso e da sociedade, o desemprego, que atinge quase 12 milhões de trabalhadores, aumentará, que a inflação não dará trégua e que as taxas de juros não poderão cair tão cedo. “Estamos preparando todo o discurso para uma batalha feroz. Um discurso, ressalte-se, que nada tem a ver com alguém que queira ser candidato à reeleição em 2018”, frisa.

Assim que desembarcar no Brasil, Temer terá uma rodada de encontros com líderes dos partidos aliados para mostrar aos investidores que o discurso de que o país é um lugar promissor, com excelentes oportunidades de retorno, é para valer. Para os donos do dinheiro, estão à disposição 34 projetos de infraestrutura, com regras claras, consistentes e transparentes. A embalagem está bonita. Mas será preciso muito mais para eles acreditarem que os produtos que estão dentro realmente valem a pena.

Brasília, 06h10min

Vicente Nunes