A complacência com a qual o mercado vem tratando o governo de Michel Temer pode se transformar em um perigoso veneno. Ao achar que tudo está bem, que os investidores estão aceitando o que está aí, o presidente interino corre o risco de cair numa velha armadilha e, por comodismo e desinteresse, deixar de lado as medidas que o país tanto precisa para sair do pântano da recessão e voltar a crescer de forma sustentada por um bom par de anos.
Para a equipe econômica, o ideal seria que os investidores mantivessem pressão total sobre o governo. Com certeza, o tempo político para fazer andar projetos importantes, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior, seria mais curto. Por mais que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se mostre confiante na aprovação da medida ainda neste ano, a possibilidade de frustração pode ser grande.
Não foi por acaso, portanto, que o ministro elevou o tom do discurso sobre um possível aumento de impostos caso o Congresso não dê aval à PEC dos gastos. Já há indícios de que o projeto pode ser empurrado com a barriga. Primeiro, estabeleceu-se como prazo para início de sua votação a aprovação, pelo Senado, do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Depois, falou-se em debater a limitação dos gastos só depois das eleições municipais de outubro.
Bondades
O temor é de que, nesse ritmo e diante do visível desinteresse dos congressistas em pôr um freio definitivo à gastança, a arrumação das contas públicas se torne apenas promessa. “Quanto mais cedo o governo aprovar a PEC dos gastos e fizer andar a reforma da Previdência, melhor será para o país. Não se estão discutindo, com essas propostas, programas desse ou daquele partido. Está se tratando da sobrevivência do Estado”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
Zeina afirma entender que, para a maioria dos investidores, o mais importante, agora, é afastar definitivamente Dilma do poder. O problema é que o governo continua abrindo os cofres. A cada dia, surge um número diferente apontando para um deficit maior nas contas públicas. “É uma fatura que não fecha”, afirma. Para ela, se o rombo maior for resultado de frustrações de receita, tudo bem. Trata-se de um fator imponderável. O que não pode é as despesas aumentarem porque se decidiu fazer bondades a grupos específicos de olho apenas em um projeto político.
Na avaliação da economista, a confiança que o governo construiu nos últimos dois meses é frágil, baseada em muitas promessas. Sendo assim, Temer não deveria se deixar inebriar pelo voto de confiança que recebeu. “Para construir credibilidade, leva-se tempo. Mas, para perdê-la, o processo é muito rápido”, frisa. “Todo mundo sabe que a crise que estamos vivendo é grave. Então, é necessário agir rápido, sem inconsistências”, acrescenta.
O perigo de o quadro de ilusão se prolongar é grande. Como há a perspectiva de entrada de muitos recursos no país depois da aprovação do impeachment de Dilma, o dólar pode cair até os R$ 3 e a bolsa de valores dar um novo salto. Todos vão achar que o Brasil resolveu seus problemas e que impor custos à sociedade é contraproducente. O pior, porém, que pode ocorrer é o governo não fazer nada. Fechar os olhos acreditando que os ajustes vão ocorrer de forma natural será um pecado.
A história mostra que governos que se deixam enganar caminham para o desastre. Foi exatamente tudo o que vimos nos últimos anos. Temer prometeu entregar um país melhor em 2018 para aquele que for escolhido pelas urnas. Mas, até agora, as prometidas mudanças estão no discurso. Sair das palavras para a prática requer liderança e empenho. Nesses quesitos, o peemedebista está devendo — e muito.
Brasília, 05h30min