ANTONIO MACHADO
A revisão para muito pior das metas do déficit das contas públicas federais este ano, jogando para 2021 a possibilidade de o país ter o primeiro superávit desde 2013, não expressa somente má gestão da economia. O problema é antigo, com raízes na Constituição de 1988, mas se agravou a partir de 2008 com uma série de decisões ruins ou pensadas como provisórias e tornadas permanentes pelo governo Dilma Rousseff, que ainda acrescentou outras mais de igual teor.
Ao dizer que a grande crise global de 2008 chegaria ao Brasil como “marolinha” se os brasileiros não parassem de consumir, mandando a banca estatal bombar o crédito e baixar os juros tanto do crediário como das linhas para investimentos produtivos, Lula agiu certo. Fez o que os governos do mundo todo fizeram contra o que se apresentava como uma depressão econômica maior que a tragédia dos anos 1930.
Errou ao esticar todas as medidas de estímulo econômico, sobretudo os juros subsidiados bancados com endividamento do Tesouro Nacional e as desonerações à custa da arrecadação tributária, reforçadas com concursos para ampliar o quadro de servidores, reajustes reais para o funcionalismo, maiores dotações fiscais aos programas regionais e sociais e a ordem para a Petrobras aumentar o gasto com o pré-sal.
Tais medidas, catalogadas como keynesianas, em referência ao que o grande economista inglês John Keynes prescrevera contra os quadros agudos de baixa demanda e alto desemprego, implicam, como sequelas, deficits fiscais, dívida pública, juros elevados e inflação. Por isso, deveriam ser aplicadas com moderação visando, sobretudo, promover os investimentos, especialmente o público, para não haver expansão desarrazoada da máquina oficial entre gastos permanentes e irredutíveis da folha de pessoal e com o custeio de sua estrutura.
Lula e Dilma, aconselhados por economistas que só devem ter lido a introdução de Keynes – “keynesianos hidráulicos”, segundo ironia do ex-ministro Antonio Delfim Netto –, ficaram com a parte idílica do laxismo fiscal e do crédito fornido pelo Tesouro Nacional. É algo típico aos governos da América Latina chamados de populistas. Curiosamente, é comum que se digam socialistas. Mas só se for à revelia de Marx, já que em sua obra máxima ele alertava para o risco da sofreguidão.
Muito mais que tertúlias
Lembrar esses eventos criadores da crise que aí está não se trata de tertúlia histórica nem intelectual, mas de saber sua causa, que é a primeira necessidade de um tratamento eficaz. E não só, já que os nomes que tentam viabilizar-se à sucessão de Temer ou falam em reeditar a política das marolinhas ou prometem desmontar o Estado. Ou seja: um lado promete mais gasto público sem distinção quanto à qualidade e ao destino do dinheiro, o outro anuncia menos Estado ou sua redução ao que lhe é básico, como segurança, saúde e educação.
A ninguém parece ocorrer como prioridade um princípio elementar ao crescimento econômico e, portanto, à mobilidade social: o de que o principal componente do desenvolvimento é o investimento, não bem o consumo. Este é o que lhe sustenta, aquele é o que o expande.
A força motriz das economias que se tornaram desenvolvidas no pós-guerra foi o investimento privado e público, seja em infraestrutura e em produção industrial e de serviços – e assim permanece, apesar de hoje também se falar muito em produtividade, como se uma coisa substituísse a outra. Talvez por isso o crescimento na Europa e nos EUA ande morno, mas segue forte na China, Índia e na Ásia em geral, puxado pela maior qualificação das pessoas e a expansão produtiva.
Medidos pela taxa de investimento em relação ao PIB, tais esforços deveriam ser de 23% a 25% do PIB no Brasil, não de 21%, que foi o melhor resultado em duas décadas, muito menos de 14%, projeção para este ano. O que lhe falta? No caso do setor público, de superávit, vulgo poupança, extraído da execução fiscal, o que libera o Estado a se endividar a juros módicos e fomenta o mercado de capitais.
Mais Marx e Adam Smith
Isso é função de disciplina fiscal, objetivo, por exemplo, da PEC do Teto e do ataque a desperdícios com salários de funcionários no setor público e subvenções de todo tipo ao setor privado. E basta? Não. É preciso atenção à taxa de lucro das empresas, a alavanca do investimento privado, como ensinou Marx, assim como alertou para a tendência de concentração do capital – um problema enfrentado com concorrência (principal impulso da inovação), abertura de mercados e regulação. A estatização se torna supérflua em tal cenário, assim como salta aos olhos a necessidade de um Estado forte e eficaz para entregar segurança pública, educação e saúde decentes e confiáveis.
Na China, os gurus da enorme transformação de um país atrasado em potência rival aos EUA, foram Marx e Adam Smith, o mestre do livre mercado, não Keynes, além do mais deturpado como no Brasil. Nossos “progressistas” e “liberais” do passado, entre aspas, por tudo isso são corresponsáveis pela ruína econômica e política que aí está.
Fala-se muito de reformas, menos da que se faz mais urgente, a do modo de pensar, além de algumas aulinhas de aritmética. Contra ela não há ideologia que se sustente. Dívida pública elevada com juros de agiota, por exemplo, deveria preocupar da esquerda à direita.
Deficits bancados com recursos externos também deveriam abalar os que amaldiçoam a dependência do exterior. Não há nada mais elitista que impostos e dívida pública custeando aposentadorias de mais de R$ 50 mil ao mês do Judiciário, campanhas eleitorais hollywoodianas dos partidos, subvenções de grupos privados que nem deveriam abrir as portas se não conseguem existir sem a ajuda de muletas oficiais.
Por anos a fio as tais “esquerda” e “direita” têm servido de álibi à cafetinagem do Tesouro por lobbies públicos e privados. A eleição que se aproxima é outra chance de redenção das ideologias no país – e também de nós, eleitores, sempre prontos a afagar demagogos.
Brasília, 15h15min