Coluna no Correio: O início do fim do governo Temer

Compartilhe

O presidente Michel Temer diz, de forma enfática, que conseguirá aprovar a reforma trabalhista no plenário do Senado independentemente de, ontem, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) ter recusado, por 10 votos a nove, o projeto que muda as relações entre patrões e empregados. A veemência de Temer confirma o baque que o governo sofreu ao ter seu projeto rejeitado de forma surpreendente num momento extremamente crítico para o peemedebista. Ele sabe que o risco de a reforma naufragar cresceu — e muito. Já não se tem mais a certeza de que, mesmo numa votação de maioria simples, o Palácio do Planalto conseguirá obter os votos necessários de uma base aliada totalmente fragilizada.

A reforma trabalhista é vista por empresários e investidores como principal termômetro para medir a real força que restou a Temer no Congresso depois das delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS. Apesar de todo o estrago provocado pelos empresários, acreditava-se (ou se tentava acreditar) que o governo ainda contava com apoio suficiente de parlamentares para ao menos aprovar a reforma trabalhista. Agora, contudo, já não se tem mais essa garantia. O nível de incerteza se elevou a tal grau que pode abortar de vez a retomada do crescimento econômico. Entrou-se em uma zona cinzenta, na qual os indicadores de confiança tendem a despencar, restringindo o consumo e afastando de vez os investimentos.

A tensão no governo depois da derrota na CAS foi tão grande que a equipe econômica fez uma força-tarefa para tentar acalmar os investidores. O argumento usado foi o de que o atropelo de ontem em nada muda a tramitação no Senado, com fortes chances de vitória no plenário. Para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, os agentes econômicos devem se apegar ao bom momento vivido pela economia, que voltou a criar empregos em maio e, no acumulado do ano, já acumula saldo positivo de 48.543 postos. Normalmente, o mercado de trabalho é a última variável a reagir em períodos de recuperação da atividade. No entanto, mesmo com toda a crise política, o emprego está dando sinais positivos antes do esperado.

Sinais divergentes

Nas conversas com investidores, técnicos do governo asseguram que não há, pelo menos por enquanto, qualquer motivo para pânico. Também não há por que refazer as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, cuja projeção de crescimento se mantém em 0,5%. A equipe econômica assegura ter indicadores suficientes para sustentar o discurso de que o segundo trimestre do ano será positivo, independentemente de toda a paralisia que a crise política pode ter provocado a partir de 17 de maio, quando estourou a delação dos irmãos Batista.

“O impacto da inflação em queda e da redução dos juros será maior do que o previsto. Isso torna um exagero falar em queda do PIB no segundo trimestre”, ressalta um dos técnicos. Ele assegura que, mesmo frágil, a economia está blindada ante os atropelos que possam vir da política. “Há, sim, sinais divergentes na economia, como a queda da arrecadação e a criação de empregos. Mas o importante é que, no encontro de contas, o saldo está positivo”, acrescenta. A ordem entre os técnicos é reforçar o otimismo e assegurar que o governo não trabalha com qualquer possibilidade de derrota na reforma trabalhista. “Vamos vencer com folga no plenário do Senado”, frisa.

A equipe econômica está orientada, inclusive, a sustentar a visão de que, tão logo o presidente Michel Temer sancione as mudanças na lei trabalhista, será possível encaminhar no Congresso a reforma da Previdência Social. “Não se trata de uma agenda de governo, mas de Estado”, assinala outro técnico. Isso, no entender dele, gabarita o governo a levar adiante a proposta que altera as regras de aposentadorias, que, a médio e a longo prazos, terão impacto positivo nas contas públicas, permitindo que os futuros administradores do país possam executar políticas voltadas para o crescimento econômico e o bem-estar da população. “Nosso compromisso com as reformas está mantido, a despeito da encrenca política”, diz.

Reação rápida

Para Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Investimentos, a princípio, a derrota do governo na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) não inviabiliza a aprovação da reforma trabalhista no plenário do Senado. Ele avalia que a reação negativa do mercado à rejeição do projeto foi amena — a bolsa caiu e o dólar e os juros subiram —, ou seja, não refletiu um sentimento de que as mudanças previstas na lei trabalhista estão enterradas.

Agora, é importante que o governo mostre uma reação rápida, com os partidos da base aliada explicitando, com votos declarados, o aval à reforma. Uma coisa é o Planalto dizer que tem apoio suficiente para aprovar as alterações na lei trabalhista, outra é o Congresso mostrar, em números, que está do lado do governo. A reforma, diz Cardoso, é importantíssima para aumentar a produtividade da economia. Da forma como a legislação está hoje, há travas demais para o crescimento.

“As reformas, porém, são apenas uma das pernas para a reativação da economia. Há a questão dos investimentos, que passam por um programa efetivo de infraestrutura, o que não se vê atualmente”, destaca Cardoso. Não por acaso, ele prevê queda de 0,5% do PIB no segundo trimestre deste ano e avanço de apenas 0,2% ao longo de 2017. E mais: o economista ressalta que, se há, hoje, um viés para a atividade, é para pior. Não para melhor.

Brasília, 06h59min

Vicente Nunes