Logo no início do, digamos, bate-papo entre amigos, Joesley diz ao presidente que corrompeu dois juízes e um procurador da República para proteger seus interesses e, sem cerimônia, pede — e recebe — apoio para pressionar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a interferir em órgãos públicos, como a Receita Federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade).
A reação singela de Temer ante um empresário que está sendo investigado em seis operações da Polícia Federal reforça a complacência do presidente com a corrupção. Ele, inclusive, recomenda a Joesley que trate todos os assuntos de interesse dele com Rodrigo Rocha Loures, então assessor presidencial, por ser uma pessoa de “estrita confiança”. O empresário havia se queixado que seu interlocutor no governo, Geddel Vieira Lima, havia caído da Secretaria de Governo depois de pressionar Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura, a liberar a construção de um prédio em área tombada de Salvador.
Apesar desse comportamento nada republicano, Temer diz que não fez nada de errado. Em pronunciamento público, fez questão de enfatizar, por duas vezes, que não renunciaria ao mandato. O presidente terá, porém, que provar sua inocência em processo aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Terá, inclusive, que explicar os quase R$ 500 mil que seu ex-assessor e hoje deputado, Rodrigo Rocha Loures, recebeu da JBS. A entrega do dinheiro foi toda filmada.
Buracos no discurso
Ao adotar um discurso duro para dizer que não renunciaria, Temer tentou mostrar força. Mas não convenceu. Admitiu apenas o encontro no Palácio do Jaburu com Joesley. Não deu nenhuma explicação sobre a propina recebida por Loures. Sequer cogitou dizer por que não denunciou o dono da JBS à Justiça. O empresário havia lhe confessado vários crimes. Isso coloca Temer em uma situação muito pior do que a de Dilma Rousseff quando ela foi apeada do poder.
Não há dúvidas de que a decisão de Temer de permanecer no cargo custará caro ao país. A economia sangrará. É impossível se conviver com tantas incertezas. Temer ressaltou, em seu discurso, que o Brasil havia conseguido dar passos importantes nos últimos meses, com sinais de retomada da economia, queda dos juros e inflação sob controle. Tudo isso poderá se perder justamente pelas dúvidas que pairam sobre o país. Ninguém é capaz, hoje, de dizer se o peemedebista conseguirá terminar o mandato. É grande, por sinal, a chance de ele ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 6 de junho, no julgamento da chapa da qual foi vice de Dilma.
Para analistas, Temer não saiu do governo, mas o governo saiu dele. São poucos os especialistas que ainda apostam na capacidade do presidente de manter a base aliada do Congresso unida para levar adiante as reformas trabalhista e da Previdência Social. Se as mudanças no mercado de trabalho e no sistema de aposentadorias não saírem, a perspectiva é de que o Brasil volte a mergulhar na recessão. A destruição de riquezas foi explícita ontem. Apenas o valor de mercado das ações do Banco do Brasil recuou R$ 5,5 bilhões. Já a Petrobras encolheu R$ 4,8 bilhões.
Alerta máximo
Aos aliados Temer diz que dobrará as apostas. Ele acredita que conseguirá aprovar as reformas, mesmo que precise de um pouco mais de tempo. A equipe econômica não está tão confiante. Para vários técnicos, o calendário das votações se alongará muito além do desejado e o risco de os projetos serem escanteados é grande. “O governo diminuiu muito de tamanho. Talvez tenha ficado pequeno demais para levar adiante temas tão polêmicos quanto a reforma da Previdência”, destaca um técnico. Para ele, nas próximas semanas, o Planalto só terá energia para lidar com a crise que abalou a República.
Na avaliação da equipe econômica, a cada nova denúncia constante nas delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o governo vai balançar e ficará mais fraco. Nesse contexto, será difícil convencer os investidores de que a casa se manterá de pé. “A sensação é de que voltamos ao auge da crise de 2015, quando a economia entrou em um fosso sem fundo, resultando em dois anos de recessão, da qual ainda ensaiamos sair”, afirma um interlocutor com bom trânsito no Palácio do Planalto. Agora, ressalta, não será mais um dia depois de outro, mas uma hora depois da hora. O país entrou em alerta máximo.
Brasília, 06h41min