Coluna no Correio: O governo mete os pés pelas mãos

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Se olharmos apenas pelos dados econômicos, o governo de Michel Temer poderia estar surfando neste momento. Apesar da gravidade da crise política que sacode o país, os indicadores que vêm sendo divulgados apontam que, mesmo devagar, a atividade está saindo do atoleiro. O emprego formal registrou, em julho, o quarto mês seguido de saldo positivo, totalizando, no acumulado do ano, 103 mil vagas. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrou os 12 últimos meses em 2,71%, o nível mais baixo desde 1999, inferior, inclusive, ao piso da meta, de 3%, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A balança comercial bate recorde, inundando o país de dólares, e a taxa básica de juros (Selic) deve cair mais um ponto percentual, para 8,25% ao ano.

Nada disso, porém, tem permitido a Temer um período de alívio. E a culpa é do próprio governo, que vem criando situações constrangedoras. A mais recente delas, a proposta de aumento das alíquotas do Imposto de Renda, que foi enterrada em menos de 12 horas, depois de o presidente confirmar que o tema estava em pauta e, mais tarde, negar qualquer intenção em levar o assunto para o Congresso. Temer, que já tem a imagem de um presidente fraco, mostra, com esses recuos, como se rendeu ao fisiologismo e se tornou refém de partidos descompromissados com o interesse nacional e afeitos à corrupção. Esse quadro se agravou depois de 17 de maio, quando foi revelado o encontro noturno nos porões do Palácio do Jaburu entre o presidente e o empresário Joesley Batista, dono do grupo JBS.

Não é só. O governo não foi capaz de cumprir a promessa de arrumar as contas públicas. Como bem define o presidente do PMDB, senador Romero Jucá, a equipe econômica preferiu contar “com vento” para fazer o ajuste fiscal, ou seja, ficou dependente de receitas extraordinárias em vez de assumir o tamanho do desastre das finanças federais. Agora, com a realidade batendo às portas e a arrecadação de tributos no chão, o time comandado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fica correndo atrás de medidas mirabolantes, que só ampliam o desgaste de Temer.

“Era para estarmos comemorando todos os indicadores positivos da economia. Mas, em vez disso, temos que ficar dando explicações sobre o inexplicável”, diz um ministro da ala política. “Ontem, por exemplo, era para amplificarmos os dados positivos da inflação e do emprego. Mas todo mundo só queria saber do encontro fora da agenda entre o presidente e Raquel Dodge, que assumirá o comando da Procuradoria-Geral da República em setembro”, acrescenta. Temer também teve que usar suas aparições públicas para negar, mais uma vez, a intenção de elevar as alíquotas do IR.

Loucuras

Com a perspectiva de mudança nas metas fiscais deste ano e de 2018, de deficits de R$ 139 bilhões e R$ 129 bilhões, respectivamente, será difícil para o presidente sair das armadilhas que criou e, enfim, tirar proveito dos bons indicadores da economia. Pior: diante de tanta confusão, o governo só contribuirá para alimentar as incertezas que tornam mais lenta a recuperação da atividade produtiva. Há um desejo do empresariado de tentar descolar a economia da política, mas, quando a engrenagem começa a se movimentar, Brasília trata de soltar um petardo para manter a desconfiança no horizonte.

“Não há dúvidas de que a importância do governo ficou menor para os agentes econômicos. É por isso que estamos começando a ver números favoráveis no mercado de trabalho. Mas é ilusão acreditar que as decisões do Planalto são irrelevantes. Não são. Veja, por exemplo, a gula por aumento de impostos. Quem pensa em investir bota o pé no freio, temendo ver o negócio prejudicado”, afirma um importante empresário. Ele, inclusive, acredita que, se não houver nenhuma loucura do governo nos próximos meses, o país poderá fechar o ano com crescimento maior do que o esperado.

O empresário conta que a percepção de melhora da economia está começando a se disseminar. Um banco estrangeiro, do qual é cliente, revisou a previsão de crescimento do Brasil para este ano de 0,3% para 0,8%. Em 2018, segundo a mesma instituição, o Produto Interno Bruto (PIB) poderá ter avanço de até 2,2%. Nesse cenário, estão embutidas questões políticas, como a saída do ex-presidente Lula do páreo das eleições de 2018 por decisão da Justiça e uma Procuradoria-Geral da República mais amigável a Temer. Tudo isso, por enquanto, são conjecturas. O que é certo é a incapacidade do governo de surfar na onda da economia.

Vicente Nunes