O processo de impeachment que se inicia hoje no Senado terá um efeito duplo. De um lado, enterrará de vez o que um dia foi o governo de Dilma Rousseff. De outro, dará início à verdadeira administração de Michel Temer. Até agora, o peemedebista foi tratado com toda a benevolência dos agentes econômicos sob a justificativa da interinidade. Nos últimos três meses, conseguiu resgatar parte da confiança perdida na era petista, mas conduziu os ânimos muito mais na promessa do que por meio de medidas efetivas para tirar o país do atoleiro.
Para os donos do dinheiro, Dilma já vai tarde. No caso de Temer, chegou a hora da verdade. E a cobrança será enorme, dada a urgência do que é preciso ser feito para evitar a derrocada geral. A ansiedade dos agentes econômicos aumentou muito nos últimos dias, diante do racha na base aliada do interino. PMDB e PSDB explicitam que o compromisso com o ajuste fiscal não está tão consolidado no governo como tenta vender o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A defesa por aumento de gastos, sobretudo com servidores, ofusca o discurso dos que defendem o corte de gastos.
Dilma será expulsa da vida pública justamente porque teve como lema o descontrole fiscal. Acreditou que, com a gastança desenfreada, atendendo pleitos e lobbies de corporações, daria impulso à economia. As estripulias com o dinheiro público, porém, destruíram todas as bases que levaram o país a derrotar a hiperinflação e a promover o mais impressionante processo de inclusão social no mundo moderno. A petista, dominada pela prepotência, empurrou o Brasil para a mais grave recessão em quase 100 anos e trouxe de volta as pragas da carestia e do desemprego.
Temer sabe que, se repetir os erros da antecessora, sofrerá todo tipo de ataque. Está claro que Dilma não caiu apenas por causa da roubalheira na Petrobras, desvendada pela Operação Lava-Jato. Ela foi defenestrada do poder sobretudo porque destruiu a economia. Com a tal nova matriz econômica, levou o país para um buraco sem fundo. O peemedebista, portanto, sabe o que não deve fazer. A grande pergunta é se terá força para levar adiante temas tão polêmicos, mas urgentíssimos, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação anterior e a reforma da Previdência.
Compasso de espera
Na expectativa do que está por vir após o impeachment, vários investidores reduziram os volumes de negócios nos últimos dias. Ainda que todos tenham a certeza de que Dilma não voltará ao Palácio do Planalto, a ordem foi entrar em compasso de espera justamente porque há dúvidas em relação ao ritmo que será imposto ao ajuste fiscal a partir da próxima semana, com a efetivação de Temer na Presidência da República.
“Temos monitorado todos os passos do governo. Estamos cientes dos ruídos políticos neste momento. Mas, por enquanto, preferimos aguardar o desfecho do impeachment”, diz Ivo Chermont, economista-chefe da gestora de recursos Quantitas. Ele ressalta que, depois da decisão do Senado, o comportamento dos investidores será outro. “Certamente, vamos dar outro peso às divergências que vemos dentro do governo quando tivermos um presidente efetivo”, ressalta.
Para Chermont, o Temer não pode cair no erro de endossar, por exemplo, o aumento de salários de servidores. Deve deixar esse assunto exclusivamente para o Congresso. Um aval ao aumento de gastos indicará que outras concessões poderão vir mais adiante, jogando por terra o ajuste fiscal que tanto o país necessita. Como bem ressalta o ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, a situação das contas públicas beira o colapso. O Brasil está muito próximo de se transformar em uma Grécia. Temer terá a obrigação de reverter esse quadro dramático.
Questão de sobrevivência
Entre os técnicos da equipe econômica, a opção está sendo pelo otimismo. Os assessores mais próximos de Meirelles acreditam que não haverá retrocessos na disposição do Palácio do Planalto de aprovar a PEC dos gastos e a reforma da Previdência. “São propostas irreversíveis. Ninguém está aqui num faz de conta. Todo o trabalho desenvolvido nos últimos três meses foi para criarmos as bases da virada. A partir de setembro, o esforço será para tirar o ajuste fiscal do papel”, diz um dos técnicos. “A artilharia já está preparada. Não estamos dispostos a perder essa batalha”, acrescenta.
No entender do mesmo técnico, os próximos dois anos serão decisivos para o país. Se nada ou pouco for feito, a economia até poderá voltar a crescer por inércia, mas as frustrações sociais vão se agigantar. Não haverá governo que conseguirá se sustentar sem o fortalecimento da atividade. O Brasil precisa urgentemente voltar a criar empregos e a distribuir renda. “Vimos que isso é possível, desde que prevaleça a responsabilidade fiscal. Agora, é preciso que a sociedade cobre e exija do Congresso as medidas que nos colocarão de novo no rumo certo”, destaca.
Na Fazenda, há indicadores mostrando que parte dos agentes produtivos já deixaram de se pautar pelo risco político, que prevaleceu nos seis primeiros meses do ano. “É lógico que, ainda neste momento, com o impeachment na reta final, todos os olhos se voltem para Brasília. Acreditamos, contudo, que, encerrada essa fase, empresários e investidores voltarão a se fixar na economia real. Será questão de sobrevivência”, sentencia o mesmo técnico.
Brasília, 00h30min