Coluna no Correio: Mãos à obra

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A eleição de Rodrigo Maia para a Presidência da Câmara dos Deputados deu ânimo novo ao governo, mas está longe de significar vitória total na aprovação de projetos de interesse da equipe econômica. O presidente interino, Michel Temer, terá que usar de muita habilidade para reunificar sua base política, que se mostrou totalmente fragmentada durante o processo de escolha do sucessor de Eduardo Cunha. Essa reconstrução significará mais fisiologismo ou, em bom português, cargos e privilégios para os parlamentares na administração federal. O derrotado centrão é peça-chave para qualquer aprovação no Congresso. E cobra caro pelo apoio.

É importante ressaltar que, por mais unidos que Maia e Temer se mostrem nos próximos meses, esse namoro tem prazo de validade: o início das articulações para a campanha presidencial de 2018. Ou alguém acredita que o PSDB e o PSB, os dois principais partidos que garantiram a vitória do deputado do DEM, ficarão unidos ao governo quando a disputa estiver nas ruas? Isso só comprova o quanto é urgente que Temer busque a pacificação na Câmara e agilize a votação de projetos importantes, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à infla, reformas, votaçãoção do ano anterior.

O lado bom da eleição de Maia é o fato de ele fazer parte de um grupo de partidos estruturados, que têm programas muito parecidos com os do governo, como as reformas da Previdência e trabalhista. Aliados do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por sinal, já fizeram chegar aos ouvidos do novo presidente da Câmara a intenção do governo de trabalharem em conjunto para, se possível, aprovar a PEC dos gastos ainda antes das eleições municipais marcadas para outubro próximo.

O projeto é vital para reforçar o compromisso com o ajuste fiscal, ainda envolto em dúvidas, uma vez que, até agora, Temer só fez aumentar a gastança, atendendo grupos específicos e pleitos duvidosos. Cortes de despesas, que é bom, nada. Não foi por acaso que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, avisou que, se quiser ver a taxa básica de juros (Selic), de 14,25%, caindo neste ano, o governo deve se empenhar ao máximo para aprovar a PEC dos gastos. Sem ela, a licença para gastar continuará valendo, pressionando a inflação.

Sinal de alerta

A ansiedade do governo em torno da PEC dos gastos contrasta com o pouco entusiasmo do Congresso em acelerar a votação do projeto. A proposta reduz muito a capacidade dos parlamentares de mexerem no Orçamento e de inflarem receitas para acomodar projetos do interesse deles. Muitos se sentem incomodados em perder poder. A aprovação da PEC exige dois terços de apoio do Congresso. Hoje, não é possível dizer se o governo consegue aglutinar forças para aprová-la, sobretudo diante das fissuras que se viram na base em meio à eleição na Câmara. É preciso, portanto, ligar o sinal de alerta.

Por enquanto, os mercados estão dando todo o voto de confiança a Temer. Os investidores, em sua maioria, acreditam que Rodrigo Maia fará os projetos de interesse do governo andarem no Congresso. Nos cenários principais traçados pelos operadores, a PEC passará, mas não as reformas da Previdência e trabalhista. Mas isso não é problema agora para os donos do dinheiro. Para eles, o roteiro que importa é garantir, no Senado, o impeachment definitivo de Dilma Rousseff e limitar o aumento dos gastos. O que vier depois, é lucro.

Na avaliação do cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, esse excesso de otimismo é preocupante. Ele ressalta que a vitória de Rodrigo Maia para o comando da Câmara foi um passo importante na direção de normalizar o processo decisório, mas não garante a governabilidade que todos esperam. “Maia expressa, sim, um peso maior de lideranças com um pouco mais de estofo político. Contudo, é preciso mais do que isso. O presidente da Câmara ajuda a pautar o Congresso, mas cabe ao governo reunir o apoio necessário para aprovar os projetos de seu interesse” diz.

Cortez espera que, mesmo com todos os percalços, Temer colha vitórias importantes para o ajuste fiscal. Desde, é claro, que reduza a divisão do bloco governista. “A base continua ampla e heterogênea e Temer apresenta algumas restrições de capital político. Mas é razoavelmente natural uma disputa fragmentada nesse momento, devido à crise das elites políticas, muito em função da agenda negativa que foi bastante personificada por Eduardo Cunha”, destaca. “O projeto de Cunha foi construído a partir de um racha entre os líderes partidários. Ele percebeu que o baixo clero, se votasse unido, teria um poder muito grande, e usou isso de forma bastante efetiva”, explica.

Vergonha nacional

Mexer com interesses arraigados não será fácil. Mas Temer diz estar pronto para fazer as maldades necessárias depois da confirmação do impeachment de Dilma. No pacote, estão previstos aumentos de impostos, que o Congresso rejeita, e cortes mais agressivos nos gastos, inclusive nas áreas de saúde e educação. O peemedebista terá ainda que barrar, no Senado, o aumento para os salários de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de não querer comprar briga com a mais alta Corte do país, o presidente interino sabe que o reajuste implicará em elevação do teto do funcionalismo, que terá efeito cascata sobre estados e municípios, em sua maioria, quebrados.

Temer tem ainda a missão de aprovar a renegociação das dívidas de estados. O projeto é importante para apaziguar as relações com os governadores. Tudo de que o peemedebista não precisa agora são problemas federativos. Não à toa, passou por cima da equipe econômica e liberou R$ 2,7 bilhões a municípios. No meio disso tudo, tem a Lava-Jato, que continuará avançando sobre os políticos, muitos da base do governo, e a possibilidade de delação de Eduardo Cunha, que, ressalte-se, ficou mais fraco com a eleição de Rodrigo Maia para sucedê-lo.

Fora da pauta do governo, caberá ao novo presidente da Câmara reconstruir as relações do Legislativo com a população. Nos últimos anos, o que os brasileiros mais sentiram foi vergonha de seus representantes, muitos pegos metendo a mão em recursos públicos. O Congresso precisa fazer sua parte. Não há mais tempo a perder.

Brasília, 05h10min

Vicente Nunes