Coluna no Correio: Lições a todos

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POR PAULO SILVA PINTO

 

A decisão dos eleitores britânicos de sair da União Europeia (UE) pode prejudicar a recuperação econômica, pela queda na demanda global. Mas também pode prolongar as medidas de afrouxamento monetário, o que favorece a queda de juros aqui.

 

Há, por outro lado, o prejuízo indireto de entrarmos em um mundo mais isolacionista, menos integrado. O maior prejuízo, claro, será para os próprios britânicos. Mais especificamente, os ingleses, cujos votos foram decisivos para o resultado. É grande a chance de implosão do Reino Unido. Os escoceses votaram em peso pela opção de ficar na União Europeia. Tendem, agora, a fazer um novo referendo para se separar do Reino Unido e ficar na UE. A Irlanda do Norte pode ir na mesma linha, juntando-se à República da Irlanda, que integra a Zona do Euro, embora isso seja um pouco mais difícil.

 

Reduzida ou não, a Grã-Bretanha vai enfrentar grandes dificuldades para negociar um acordo de livre comércio com o continente. Afinal, para os europeus essa negociação será decisiva. A meta é mostrar a outros países que os efeitos para quem sair serão duros. Espera-se, com isso, evitar o efeito em cascata, a saída de outros membros do bloco na esteira dos britânicos.

 

Riscos

 

Há, certamente, lições para todos, inclusive para nós, brasileiros. Em primeiro lugar, um bloco econômico deve ser percebido como um bem para todos os envolvidos. Segundo, é importante lembrar que estruturas de governança muito grandes tendem a ser percebidas como contrárias ao interesse público. Terceiro, a comunicação com os eleitores, o que envolve dizer e ouvir, deve ser constante, especialmente com os menos escolarizados. E, em quarto, políticos não devem arriscar medidas populistas para ganhar capital político.

 

O primeiro item é algo que está em pauta hoje nas discussões do Mercosul. Muitos brasileiros, especialmente os empresários, acham que o país está atrasado na assinatura de acordos de livre comércio com outros blocos ou nações por ter de esperar a anuência de todo os membros. As facilidades de acesso aos mercados vizinhos é vista como um benefício questionável, tantos são os entraves que se colocam, às vezes, para fazer valer a suposta liberdade comercial. O atual chanceler, José Serra, é especialmente crítico disso. A tendência é que o Mercosul acabe se esvaziando rapidamente caso não mostre benefícios reais.

 

O gigantismo das estruturas é um problema que conhecemos bem. No Brasil, o cidadão vê o governo como algo que existe para servir a si mesmo. Uma boa parte do Estado está ali para que os ministros tenham cargos e exposição política. Sem falar nas chances de corrupção, é uma enorme oportunidade para desperdício. É um quadro que acontece também nos estados e municípios, muitos dos quais seriam inviáveis se não pudessem contar com recursos da União.

 

Os funcionários públicos acabam sendo beneficiados, porque, sem eles, os governantes não conseguem tocar essa estrutura. Assim, há, em muitos lugares, servidores demais, salários generosos e trabalho de menos. Muita gente exagera ao dizer que, no Brasil, pagam impostos sem qualquer coisa em troca. Não é assim. Temos saúde e educação universais, aposentadoria e distribuição de renda.

 

A questão é que poderíamos ter mais serviços, ou então impostos mais baixos, com uma máquina mais eficiente. O peso da estrutura da UE é muito criticado por vários cidadãos europeus. Entre os britânicos, o peso dos impostos comunitários foi uma razão para sair. Aqui, não está em pauta separatismo. Mas também é bom os políticos se preocuparem com as consequências eleitorais do descontentamento.

 

Estorvo

 

A participação dos eleitores com menor renda e escolaridade é algo que teve um peso imenso na decisão dos britânicos. E algo que estamos muito acostumados a ver aqui, igualmente pelo viés do peso negativo que essas pessoas tendem a ter nas decisões políticas. Aqui, essas pessoas são mais conservadoras e se opõem a mudanças que favoreçam a igualdade de gênero e de orientação sexual, assim como tendem a aceitar políticos corruptos que lhes tragam benefícios diretos.

 

Na Inglaterra, esse grupo é pouco globalizado. Não tem aspirações a viajar ou morar fora e vê estrangeiros como ameaça, afinal compete com imigrante nos empregos de baixa renda, e com os mais ricos em habitação e outros itens de consumo — que se tornaram caríssimos na Inglaterra, especialmente em Londres.

 

A tendência, lá e cá, ou em qualquer lugar, é olharmos para esse grupo com arrogância, como um estorvo. Não pode ser assim, até porque não dá certo, a menos que se opte pelo regime autoritário com um déspota esclarecido. Na democracia, é preciso conviver com todas as pessoas, inclusive com essas, levando-lhes muita informação e, sobretudo, ouvindo, para entender por que defendem suas posições. É o caminho para acabar com o preconceito.

 

O último item, de viés populista, é bem conhecido dos brasileiros, nem que seja pelos livros de história. Em 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou ao mandato na expectativa de que o povo saísse às ruas para defender a sua volta. Esperava, com isso, ter poder de barganha muito maior na relação com o Congresso. Não deu certo.

 

O primeiro-ministro britânico James Cameron desenvolveu grande empatia na relação com o público. Não é, portanto, um político fraco. Quis se fortalecer ainda mais ao lançar a ideia do plebiscito três anos atrás. Se vencesse, ninguém mais poderia reclamar de pagar muito impostos para a UE e ter de se submeter às leis do bloco. Ele e seu partido teriam, assim, uma licença para atuar na política europeia e em muitas outras coisas. Seus projetos pessoais foram por água abaixo. Ele será reconhecido como um dos piores no cargo, ou até mesmo o pior. Se o Reino Unidos implodir, ele não poderá andar nem mesmo entre seus correligionários, os conservadores.

 

Brasília, 00h01min