Coluna no Correio: Lava-Jato na saúde complementar

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ANTONIO TEMÓTEO

Mesmo com a profunda crise econômica que assola o país e a alta no desemprego, as despesas assistenciais dos beneficiários de planos de saúde no Brasil totalizaram R$ 100 bilhões até agosto de 2017, conforme dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Esse montante é um recorde para o período. Para se ter uma ideia, o mesmo patamar de desembolsos só foi atingido no ano passado, em outubro. O mais impressionante é que o setor perdeu 1,5 milhão de usuários ao longo de 2016 e possui atualmente 47,6 milhões de participantes.

Dados da entidade coletados na base de informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apontam que, dos R$ 100 bilhões, 38,4% foram gastos com internações; 28,5%, com consultas; 18,4%, com exames complementares; e 8,8%, com terapias. A Abramge avalia que essa dinâmica de despesas tem impacto no desempenho das operadoras de planos de saúde. Conforme a associação, pelo menos desde 2007, as companhias do setor atuam com margens operacionais inferiores a 1%.

O resultado dessa combinação de fatores, destaca a Abramge, se reflete na dificuldade das operadoras em alcançarem o equilíbrio econômico-financeiro necessário. A entidade alerta que o crescimento dos gastos é impulsionado pela inflação médica, turbinada, sobretudo, pela judicialização da saúde, pelo envelhecimento da população e pela atuação da Máfia das Próteses. Executivos do setor cobram das autoridades públicas uma operação similar à Lava-Jato na saúde suplementar para coibir as irregularidades cometidas por representantes do ramo.

Dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontam uma inflação dos custos médico-hospitalares (VCMH) de 16,7% em 2016, enquanto nos Estados Unidos chegou a 5,7%. No mesmo período, os preços tiveram alta de 3% na França, de 9,3% no Reino Unido, de 5% no Chile e de 9,7% no México.

O IESS mostra que sistemas inovadores de cobrança, adotados em países como Dinamarca, Grécia, Estados Unidos e África do Sul, acarretaram reduções expressivas de custos médico-hospitalares. Muitos usam o método Grupo de Diagnósticos Relacionados (DRG), no qual os casos são previamente classificados de acordo com uma grande variedade de codificações e práticas clínicas. Dessa forma, o custo de cada DRG tem um valor predeterminado, elevando o nível de transparência na receita dos hospitais.

Olhos fechados

Nas contas das operadoras, 47% das despesas são decorrentes de internações hospitalares. Especialistas ressaltam que o sistema de cobrança pelos serviços, conhecido como free-for-service, no qual os insumos são adicionados à conta hospitalar, favorece a obtenção de elevadas margens de lucro. Para piorar, as operadoras criticam a falta de transparência dos gastos, que abre brechas para fraudes, como as praticadas pela Máfia das Próteses.

Para piorar a situação, o poder público fechou os olhos para os problemas. O Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que deveria estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor, está largado às moscas. O colegiado deveria fazer parte da estrutura do Ministério da Saúde. Entretanto, a pasta joga a responsabilidade para a ANS. A reguladora, por sua vez, afirma que o Consu é da competência do Ministério da Saúde. No meio desse fogo cruzado entre operadoras, hospitais, fornecedores de materiais e governo estão milhões de brasileiros desamparados. Pagam preços exorbitantes pelos convênios e têm acesso a um serviço que deixa a desejar em diversos aspectos.

Enquanto o poder público não direcionar esforços para tornar o setor mais competitivo e livre de verdadeiras quadrilhas, os problemas continuarão a crescer. Quem paga a conta são os consumidores que precisam se virar para arcar com as elevações nos preços dos planos, superiores à inflação oficial.

Vicente Nunes