Coluna no Correio: Farra estatal

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A decisão do governo de privatizar a Eletrobras vem com décadas de atraso. Se o controle da companhia já estivesse com a iniciativa privada, certamente os serviços prestados à população seriam muito melhores. Basta ver o que ocorreu com o sistema de telefonia e com a mineradora Vale, vendidos nos anos 1990. Não só progrediram como permitiram ao país agregar riquezas. O setor de telecomunicações está entre os mais modernos do mundo e a Vale é referência na produção de minério a baixo custo. Se tivessem continuado sob o manto estatal, estariam consumindo dinheiro público sem retorno à sociedade.

Em tempos de tanta escassez de recursos — o rombo nas contas públicas deste ano será de R$ 159 bilhões —, é inaceitável que o governo mantenha um número tão grande de estatais, a maior parte delas, deficitária. Sem caixa e com dívidas superiores a R$ 38 bilhões, a Eletrobras não tem capacidade hoje para tocar projetos vitais para a geração e a transmissão de energia. Pior: parte significativa dos projetos que está tocando, como Angra 3 e Belo Monte, tem a marca da corrupção. São obras superfaturadas e de baixa qualidade, que se arrastam por anos e só atendem os interesses de grupos políticos que a tomaram de assalto.

Ao longo de todos os governos, a Eletrobras se transformou em um grande cabide de emprego comandado, sobretudo, pela ala do PMDB de José Sarney. Mesmo nas administrações petistas, esse grupo continuou dando as cartas na empresa. Não por acaso, suas ações são negociadas em bolsa de valores com grande desconto. Os investidores sabem que, antes de atender à população, vêm os interesses políticos. Os controles de suas subsidiárias, como Furnas, são moedas de troca importantíssimas, principalmente em momentos de fragilidade como o enfrentado atualmente pelo presidente Michel Temer.

Como zumbis

O uso político de estatais passa, inclusive, pelo controle da inflação. Isso ficou claro durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Para criar um fato positivo na sua caminhada pela reeleição, a então presidente usou a Eletrobras e baixou, por decreto, as tarifas de energia. A medida provocou uma distorção tão grande no sistema, que a fatura ainda será paga por mais alguns anos. Como a redução da conta de luz era insustentável, o Tesouro Nacional foi obrigado a subsidiar o consumo. A partir dali, as contas públicas começaram a entrar em colapso.

Quando as estripulias de Dilma chegaram ao limite, já no segundo mandato — interrompido pelo impeachment —, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, repassou a fatura para os consumidores. As tarifas de energia praticamente triplicaram, levando a inflação a fechar 2015 em quase 11%. A correção dos valores cobrados pela Eletrobras veio junto com a liberação dos preços dos combustíveis pela Petrobras. Ficou claro, ali, que não havia almoço grátis. Que, em algum momento, o uso político das empresas controladas pelo Tesouro Nacional seria repartido com todo o país.

A privatização da Eletrobras, com certeza, trará ganhos importantes para a economia. A eficiência maior na geração e na distribuição de energia tende a evitar os apagões, que só se reduziram por causa da recessão. Se o consumo estivesse em expansão, certamente a empresa não daria conta de atendê-lo. Os empregados da estatal, certamente, vão fazer barulho contra a venda do controle acionário para a iniciativa privada. As reações contrárias fazem parte do show. Se nos anos 1990 o governo tivesse se intimidado com a onda de fúria dos trabalhadores, com certeza, muitas das empresas privatizadas estariam hoje como zumbis, consumindo bilhões em impostos e favorecendo apenas grupos políticos e corporações.

Megalomania

O movimento de privatização iniciado pelo governo não pode ficar restrito à Eletrobras. É preciso também estancar, o mais rapidamente possível, a sangria dos Correios. A estatal, que já foi exemplo de eficiência, só acumula prejuízos. Desde 2015, foram mais de R$ 5 bilhões em perdas. A estatal foi entregue ao PT nas gestões de Lula e de Dilma e, agora, está loteada pelo PSD. A corrupção se estendeu ao fundo de pensão de seus empregados, o Postalis, que só não quebrou porque os carteiros estão tendo que cobrir os rombos por meio de contribuições extras para garantir a esperada aposentadoria.

Não é só. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, um grupo de apenas 18 estatais consumirá, em 2017, R$ 18,4 bilhões do Tesouro, como mostrou a repórter Rosana Hessel, na edição de ontem do Correio. Com raras exceções, como a Embrapa, são empresas que quase nada agregam ao país. Um dos casos mais gritantes do desperdício de recursos públicos é a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), um cabidão de emprego criado por Dilma para tocar o megalomaníaco projeto do trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo. Entre 2016 e 2017, os custo da EPL aumentará quase 13 vezes, para R$ 99,3 milhões. Isso sem produzir nada.

No total, informa o Planejamento, o governo federal detém 151 estatais. Mesmo com todos os programas de demissões e de aposentadorias voluntárias que estão em andamento, o número de funcionários continua aumentando, consumindo, em média, R$ 647,8 milhões por mês. Não há país que resista com tamanho inchaço. O Estado não nasceu para ser empresário. Quando se mete a controlar empresas, sempre é domado pela corrupção. A Petrobras, como mostrou a Operação Lava-Jato, é o caso mais eloquente.

Governo tem que ser regulador e se preocupar com o que realmente interessa para a população: saúde, educação e segurança. Nessas três áreas, por sinal, está devendo muito. Já os poucos privilegiados pelos esquemas repugnantes das estatais usufruem de benesses inaceitáveis. Essa farra tem que acabar.

Vicente Nunes