Coluna no Correio: É o que temos para o momento

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O governo sentiu o peso de se arriscar a propor um deficit fiscal para 2017 muito além do que esperavam os agentes econômicos. Um rombo próximo de R$ 150 bilhões não é o número dos sonhos do mercado financeiro, mas indica que deve prevalecer o bom senso. Quem acompanhou de perto as discussões sobre a meta a ser encaminhada ainda hoje ao Congresso percebeu que havia uma forte disposição do presidente interino, Michel Temer, de sancionar um valor que agradasse a ala política do Palácio do Planalto, que defendia a repetição do buraco de R$ 170,5 bilhões de 2016. Mas os recados emitidos pelos investidores e reverberados pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, falaram mais alto. O momento é de equilíbrio e não de aventuras.

O deficit previsto para 2017, ainda que menor em relação ao deste ano, reforça todo o estrago promovido por Dilma Rousseff nas contas públicas. Será o quarto ano seguido de finanças no vermelho. Um rombo total próximo de R$ 460 bilhões. É quase certo que, também em 2018, o país apresente despesas maiores que receitas. Isso exigirá ações contundentes do governo. Não poderá haver o menor sinal de dúvida em relação ao ajuste fiscal. Nas últimas semanas, Temer deu razões de sobra para questionamentos quanto a seu real compromisso com a arrumação das contas públicas, ao lançar medidas populistas para conseguir apoio no Congresso e sacramentar o afastamento definitivo de Dilma.

A expectativa é de que, quando se livrar do fantasma da petista, Temer acelere o passo nas medidas para o ajuste. O aumento de impostos, se não sair agora, certamente será adotado depois do impeachment. Será uma das medidas amargas que o presidente interino disse que tomaria. Apesar de a equipe econômica dizer que os números apresentados como justificativa para um deficit de cerca de R$ 150 bilhões são consistentes, há receitas que podem não se concretizar, como as de concessões e privatizações. A elevação de tributos não será decidida como uma panaceia, até para não provocar cizânia com os empresários. O governo depende da boa vontade deles para retomar os investimentos e incrementar a atividade.

Cara de Sarney

Na avaliação de Cláudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, não há outra saída a Temer a não ser sancionar a proposta de deficit defendida pela equipe econômica. Se optar por avalizar a posição da ala política do governo, antecipará o fim da lua de mel com os agentes econômicos, abrindo uma crise desnecessária para um governo que ainda precisa de confirmação do Senado. Porto ressalta que o ideal seria que o deficit previsto para 2017 fosse a metade dos R$ 170,5 bilhões deste ano. Certamente, a resposta dos investidores seria de euforia em relação ao Brasil.

O economista diz que o peemedebista desperta desconfiança, fato constatado por recente pesquisa realizada pela Macroplan. Um em cada três ouvidos pela consultoria aposta no fracasso da gestão dele. Mesmo quem acredita que Temer conseguirá se firmar no poder — 45% do total — diz que o sucesso será parcial, marcado por um ajuste emergencial nas contas públicas, encaminhamento das reformas e crescimento econômico baixo. O conjunto de respostas, destaca Porto, remete ao governo de José Sarney, um presidente fraco, que fracassou nas várias tentativas de livrar o país da hiperinflação.

Portanto, o espaço para erros no governo Temer é mínimo. Se insistir em se guiar mais pela política, enfraquecendo a equipe de Meirelles, certamente caminhará rapidamente para o desastre. Há hoje, no mundo, um movimento crescente de aversão ao risco. Um Brasil fora dos eixos, parecido com aquele dos tempos de Dilma, será o que de pior pode acontecer. “Os últimos dias foram de tensão. Felizmente, o presidente interino parece entender a dimensão dos problemas que estamos vivendo”, afirma um dos auxiliares mais próximos do ministro da Fazenda. Ele garante que a meta fiscal de 2017 evitará “os erros grosseiros de Dilma”.

Desaforos

Definida a meta de deficit de 2017, informam técnicos da Fazenda, será a hora de pavimentar o caminho para a retomada do crescimento. “O país precisa, desesperadamente, sair da recessão”, enfatiza um deles. A perspectiva é de que o governo se dedique a atrair capital, inclusive o estrangeiro, para financiar os programas de concessões e de privatização.

É desses projetos (mais os aumentos de impostos) que a equipe econômica prevê obter entre R$ 45 bilhões e R$ 50 bilhões em receitas para cumprir o que prometeu na área fiscal. Sem isso, o buraco chegará a R$ 194 bilhões, como ressalta o presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), deputado Arthur Lira (PP-AL). “Esses R$ 194 bilhões são o que a equipe econômica chama de deficit bruto”, explica.

Resta saber se os agentes econômicos responderão na velocidade esperada pelo governo. Como sempre ressalta Meirelles, dinheiro não aceita desaforos, tudo o que o Brasil mais fez nos últimos anos.

Brasília, 05h30min

Vicente Nunes