Coluna no Correio: É de chorar

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O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, está certo de que venceu a disputa com a ala política do governo ao definir o rombo nas contas públicas de 2017 em R$ 139 bilhões, mas não há nada o que comemorar. Ainda que o deficit seja menor do que o estimado pelo mercado, o número é assustador, qualquer que seja o parâmetro de comparação. As finanças do país estão no vermelho desde 2014 e não há previsão de quando voltarão a apresentar superavit — talvez em 2019. O buraco persiste mesmo com a sociedade despejando, todos os anos, quase 36% do Produto Interno Bruto (PIB) em impostos nos cofres do Tesouro Nacional. O governo brasileiro é o retrato do descontrole.

Ao anunciar o rombo de R$ 139 bilhões, Meirelles, com seu sorriso característico, disse que o saldo negativo real nas contas da União é de R$ 270 bilhões. É o que ele chama de deficit estrutural. Levando-se em consideração a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos, o buraco cai para R$ 194 bilhões. Para chegar à meta, o governo está contando com R$ 55 bilhões em receitas extraordinárias. O ministro garante que, diante dessa realidade e do deficit de R$ 1700,5 bilhões estimado para este ano, o rombo previsto para 2017 é um avanço e um “esforço” no sentido do ajuste fiscal. Certamente, era possível fazer mais, pois está evidente o quanto o Estado brasileiro é inchado e ineficiente.

Espertamente, o governo não anunciou aumento de impostos para 2017 para facilitar a vida de Meirelles. O presidente interino, Michel Temer, preferiu deixar as maldades para depois de agosto, quando, acredita, estará efetivado no cargo com a aprovação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. Mas que ninguém se iluda, a elevação de tributos está definida e faz parte dos R$ 55 bilhões em receitas extras que a Fazenda prevê arrecadar. Há ainda o desejo oculto de se chegar ao fim do ano com um rombo menor que o anunciado, como um troféu a simbolizar o compromisso com a austeridade.

País de joelhos

A questão fiscal está hoje no centro de todos os problemas econômicos que o Brasil enfrenta. Ao destruir as finanças do governo, Dilma desencadeou uma onda de desconfiança sem precedentes. A inflação disparou. O dólar subiu e a bolsa de valores despencou. Os juros retornaram aos níveis de 2006. Em meio a tantas incertezas, as empresas cortaram a produção. As famílias, muito endividadas, reduziram o consumo. A recessão deu as caras, desempregando 11,4 milhões de pessoas. Todo esse desastre foi regado a uma crise política que resultou no segundo processo de impeachment de um presidente da República em apenas 25 anos. O Brasil ficou de joelhos.

Muitos ainda dizem que o processo de afastamento de Dilma é injusto. Não é. Por tudo o que a petista fez, a perda de mandato é mais do que justa. É inadmissível que um chefe de Estado promova tanto estrago na economia e tanto sofrimento à população sem qualquer punição, como se fosse a coisa mais normal do mundo. O ideal seria que ela tivesse a grandeza de renunciar, para evitar a guerra política que se instalou no país. Mas a arrogância a impede de tal grandeza.

O que todos esperam é que o governo Temer não repita os mesmos erros de Dilma e não se deixe contaminar pela complacência de parte do mercado financeiro. Um deficit menor para 2017 não é garantia de nada. Os desafios que estão colocados são muitos. Nos dois meses em que está no Palácio do Planalto, o peemedebista flertou com o populismo fiscal, pensando apenas no poder. Aumentou gastos sem constrangimento, como os R$ 68 bilhões decorrentes do reajuste aos servidores, rasgando o discurso de responsabilidade na gestão da coisa pública com o qual assumiu.

Meirelles acredita que, com a meta de deficit de R$ 139 bilhões no ano que vem, o governo enterrará a desconfiança dos agentes econômicos, dando início a um ciclo de crescimento que ajudará, por meio do aumento das receitas, a facilitar o ajuste das contas. Contudo, todos os sinais de alerta estão ligados. O governo nunca primou por valorizar cada real pago pelos contribuintes e já houve frustração demais na área fiscal. Acabou o tempo de prometer. A hora é de entregar.

Fora, Cunha

Apesar de todos os problemas na economia, o Brasil ficou um pouquinho melhor ontem com a renúncia de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados. Estão claros os sinais de manobras para livrá-lo da cassação, mas o Congresso não poderá se curvar à corrupção que tanto envergonha as pessoas de bem, que são maioria neste país. Cunha, que não cabe no figurino do chorão emotivo, deve ser limado da vida pública, preso e relegado ao esquecimento.

Há provas de sobra para que o deputado vá para a cadeia. O que não se entende é por que a Justiça está demorando tanto para fazer o que deve ser feito. Solto, mesmo sem a Presidência da Câmara, Cunha é um perigo. Ele montou uma rede de chantagem para manter o poder. Continua dando as cartas, inclusive no governo, nomeando aliados para cargos estratégicos. Só não caiu de vez porque tem muita gente em suas mãos.

Tomara que, com o mau exemplo de Cunha, a população aprenda a votar. Não é possível que uma pessoa tão nefasta sobreviva por tanto tempo da política e, pior, galgando postos cada vez mais importantes. É duro ouvir nas ruas que o deputado fez um bem para o Brasil ao levar adiante o impeachment de Dilma Rousseff. A petista caiu pelos erros que cometeu. Cunha só usou o caso para se promover e criar uma aura de poder além do real.

Para Cunha, não dá para usar o bordão “tchau, querido”. A ele, só cabe o bom e velho “fora, Cunha”. O Brasil precisa virar a página. A descoberta de tanta corrupção, da qual o deputado é um dos líderes, mostra o quanto o país está podre. Que os ventos que estão por vir jamais tragam pessoas como Cunha. Ninguém merece.

Brasília, 05h30min

Vicente Nunes