O governo de Michel Temer assumiu com um discurso duríssimo sobre a necessidade de o país fazer um ajuste fiscal consistente, mas, passados um ano e dois meses dos compromissos assumidos pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o equilíbrio das contas públicas continua na promessa. Uma análise mais profunda da evolução das finanças federais aponta que a gastança continuou desenfreada. Não por acaso, a equipe econômica anunciará hoje mais um aumento de impostos. Até ontem à noite, estava certa a elevação do PIS e da Confins sobre combustíveis e, se necessário, a alta da Cide, que também incide sobre a gasolina e o diesel. A conta do desajuste, mais uma vez, será paga pela população.
Para tentar justificar o fracasso na gestão das contas públicas, o governo diz que o aumento de imposto foi a última opção que restou para que não seja obrigado a abrir mão do ajuste fiscal. A prioridade é evitar que o rombo neste ano seja maior do que os R$ 139 bilhões colocados como teto. A equipe econômica argumenta, ainda, que a forte recessão prejudicou a recuperação da arrecadação de tributos. O pequeno aumento real de 0,77% nas receitas no primeiro semestre não foi suficiente para compensar a elevação de gastos que se viu nos últimos meses. Os técnicos alegam que fazem o que podem, tanto que cortaram R$ 39 bilhões do orçamento deste ano. Mas o certo é que o governo é perdulário e o Estado, inchado demais.
Temer teve todas as oportunidades de, realmente, fazer um ajuste fiscal de verdade. Contudo, optou por favorecer corporações, como a dos servidores públicos, que tiveram aumentos de salários de até 27,8% divididos em quatro anos. Para se ter uma ideia, entre 2016 e 2019, os reajustes do funcionalismo vão custar mais de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional. Há, ainda, uma fatura de até R$ 16 bilhões sendo pleiteada pelo chamado carreirão, formado pelos servidores que estão na base dos salários. Como eles fecharam acordo por apenas dois anos, 2016 e 2017, receberam aumento de 10,8%. Agora, querem mais dois anos de reajuste, equiparando a correção aos 27,8% dada à elite do serviço público.
Mesmo sabendo que as contas públicas estavam estraçalhadas, o presidente preferiu não enfrentar as corporações. Alegou que, sem o cumprimento dos acordos fechados ainda na administração de Dilma Rousseff, a máquina governamental poderia parar. Não bastasse esse sinal de fragilidade, Temer recorreu a um expediente incompatível com o discurso fiscalista da equipe econômica: abriu os cofres em junho e em julho para angariar votos a fim de barrar, na Câmara dos Deputados, a denúncia de corrupção passiva feita contra ele pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. De janeiro a maio, a liberação de emendas parlamentares ficou um pouco acima de R$ 100 milhões. Nos dois meses seguintes, os desembolsos passaram de R$ 2 bilhões. O peemedebista mostrou que, no vale tudo para manter o cargo, o ajuste fiscal virou ficção.
E pode vir mais
O pior é que o aumento de impostos não vai resolver os problemas das contas públicas, pois as receitas continuarão crescendo aquém do necessário e os gastos se manterão explosivos. O risco de a meta fiscal deste ano não ser cumprida continuará latente. Pior: mesmo pagando mais para um Estado perdulário, vários serviços estão ameaçados. O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Leonardo Gadelha, diz que, se órgão não receber um aporte extra de verbas até o fim do ano, terá que suspender o atendimento em até metade dos postos espalhados pelo país. A Força Nacional, que reforça a segurança onde a violência atinge níveis alarmantes, pleiteia R$ 120 milhões para manter as tropas nas ruas. Se esse dinheiro não for liberado rapidamente, quase 1,6 mil policiais voltarão para os quartéis.
As contas públicas, por falta de vontade política, continuarão no vermelho por muitos anos, com o risco de a dívida pública superar os 80% do Produto Interno Bruto (PIB) já em 2018. No ano passado, o deficit primário do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência) ficou em R$ 161,2 bilhões, saldo R$ 7 bilhões maior do que o anunciado previamente. Para este ano, a previsão é de um buraco de R$ 139 bilhões. No ano que vem, a projeção aponta para um rombo de R$ 129 bilhões. Na melhor das hipóteses, as contas públicas voltarão ao azul em 2020 ou 2021. Isso, contando que a economia voltará a crescer a um ritmo próximo de 3% ao ano.
O Brasil, no entanto, se acostumou com esse Estado inchado e perdulário. Em países civilizados, a comoção popular contra o aumento de impostos seria enorme. Mas o governo aposta que o impacto da alta do PIS e da Cofins, e mesmo da Cide, será mínimo, já que os preços dos combustíveis estão em queda. Ou seja, o Planalto está contando que poderá meter a mão no bolso dos consumidores sem que haja uma gritaria. E não está errado. Infelizmente, o grosso da população não está nem aí para as decisões de Brasília, mesmo que acabe pagando uma fatura salgada.
Na opinião do presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, ainda que mínimo, qualquer aumento de impostos é ruim. E fica pior num momento de fragilidade tão grande da economia, que se debate para sair da maior recessão da história. “O certo seria o governo ter partido para um controle maior dos gastos”, diz. Ele acredita que, diante de novas frustrações de receitas, novas rodadas de elevação de tributos podem vir. Esse é o caminho mais fácil a ser seguido. Diante dessa realidade, Afif ironiza: “Enquanto isso, vamos vivendo de amor”.
Brasília, 06h52min