Coluna no Correio: E agora, Michel?

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POR ANTONIO MACHADO

Com Dilma Rousseff de volta ao anonimato político, cabe indagar, servindo-se de uma adaptação livre de um poema de Carlos Drummond de Andrade: “E agora, Michel? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora Michel?”. Michel Temer está pronto para passar de presidente interino a efetivo. Se também está para tirar o país da crise legada por Dilma é o que falta demonstrar.

O seu governo provisório teve altos e baixos, com saldo positivo, constatado pela retomada dos indicadores de confiança (do comércio, da indústria, da construção, dos consumidores). Eles, ao tratar de questões objetivas, avaliam o pulso da economia e da sociedade com maior precisão que as sondagens de popularidade dos governantes. Os destaques negativos têm sido o sinal verde aos pleitos salariais do funcionalismo e do Judiciário aprovados no Congresso.

Temer argumenta que não cedeu às corporações e, sim, evitou a paralisia da máquina pública e um ambiente conflagrado na Esplanada dos Ministérios, que seria aproveitado pela turma contrária ao impeachment. A fraqueza do interinato fortaleceu as corporações. Mas e depois?

A partir de 1º de setembro, Temer não terá mais a incerteza sobre o seu mandato até 2018, se sobreviver ao processo aberto no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa PT-PMDB eleita em 2014. A vacina contra tais intempéries terá a sua eficácia no que ele fizer para sustar o tumulto das contas públicas, que Dilma deixou no bagaço — e os sindicatos da burocracia querem espremer até o último gomo.

O que ele fará? Seguirá afagando as poderosas carreiras de Estado, que reúnem a nata do funcionalismo federal, além dos servidores do Judiciário, a magistratura, os procuradores do Ministério Público, os advogados da União e um vasto etecetera, ou fará valer para eles a mesma austeridade e sacrifício a que se submete a sociedade?

Difícil dizer e ele mesmo procura a resposta. Não há mais o Brasil em que o presidente deita e rola sobre o Congresso. O fato é que a Câmara, sobretudo, tomou gosto com seu ex-presidente Eduardo Cunha de legislar com certa autonomia e nada indica que vá pegar leve com Temer, apesar da sintonia do sucessor Rodrigo Maia com o governo. E pior: tudo fica mais complexo se, além de autonomia, os partidos ou parte deles não abrem mão da prática do é dando que se recebe.

Boa comunicação é vital

Quando o Congresso assume suas prerrogativas, cabe ao governo, no que lhe compete a ação exclusiva de propor projetos, combinar com antecedência com os deputados e senadores o que quer aprovar, além de justificar a decisão. A boa comunicação é crucial para angariar o apoio da opinião pública e para evitar a rejeição parlamentar.

Faltaram tais cuidados no trâmite na Câmara do projeto que libera o Tesouro a estender o prazo das dívidas dos estados, sujeitando-os a condicionalidades, como a proibição de aumentos salariais e novas contratações por dois anos. Básicas para desatolar os estados, tais medidas não passaram, embora o Senado possa reavê-las. O que houve?

Os governadores, que pediram as restrições, se fingiram de mortos. E Fazenda e Casa Civil bateram cabeça, dando tempo à nova oposição e às bancadas dos servidores se alinharem. Foi um mau sinal para as expectativas de que Temer será firme no controle orçamentário.

Sequelas do submarxismo

Um Congresso doidivanas é certeza de retomada da crise, que sempre volta agravada nas recidivas. A percepção de distensão na economia se deve a quem conhece aritmética; associa a leniência na execução orçamentária à recessão, desemprego, inflação e juros altos; e sabe que o keynesianismo em tempos de mercado em baixa significa gastar com investimentos e não com salários e incentivo ao consumo de bens supridos com importações. Dilma fez o oposto desse roteiro.

Ela fez mais: malbaratou o Tesouro com desonerações tributárias na tosca crença de que consumo é que motiva as empresas a investir em bens de capital e não o lucro. O submarxismo dos economistas mais prestigiados por Dilma a fez assentir com as trapaças que instruem o seu impeachment. Por tais coisas, se Temer titubear, a casa cai.

Mas, se conseguir aprovar a PEC do Teto, que propõe ao Congresso limitar a expansão da Lei Orçamentária durante 20 anos à inflação do ano anterior (com revisão no décimo ano), e, logo na sequência, reformar a previdência, o horizonte começará a desanuviar.

Hora e vez do Congresso

A tendência de um Congresso mais altivo, em especial a Câmara, não está ainda visível à maioria dos analistas e à imprensa, implicando avaliações equivocadas sobre recuos do governo. Mas também as áreas técnicas do Executivo têm de parar de achar pecadores no Congresso, quando os políticos exercem seu direito de modular o que apreciam.

Projetos, emendas constitucionais, etc. só saem do Congresso sem rasura quando há mensalão, petrolão e outros aleijões. Mas se o STF for mais ágil com a condução paquidérmica da Lava-Jato, os centrões fisiológicos se retraem, as lideranças em toro de Rodrigo Maia se consolidam, e as reformas ganham impulso. E agora, Michel?

Falta um plano completo

Com Dilma saindo e Temer efetivado, os caminhos da reconstrução da economia começam com forte tranco no aumento da despesa fiscal. Mas não para pagar juros da divida pública. É para reduzir seu avanço em relação ao PIB, aliviando os juros. O Tesouro suga 72% da poupança financeira para girar a sua dívida, segundo Carlos Antonio Rocca. É o que torna o dinheiro escasso na praça, explica a taxa sideral de juros e avilta o mercado de capitais, sem o qual o investimento não decola. A isso se chegou devido à hipertrofia da carga fiscal.

Ambos, endividamento público e carga tributária desmedida em termos mundiais vis-à-vis nossa renda per capita, foram o jeito de os governantes bancarem políticas e programas sem relação com aumento da produção e solução estrutural da pobreza. Quer dizer: a PEC do teto é pouco. Temer precisa de um plano completo (fiscal, monetário, regulatório) para destravar o crescimento e torná-lo sustentado. Essa é a meta.

Brasília, 00h08min

Vicente Nunes