Coluna no Correio: Divórcio do tempo

Publicado em Economia

No mercado financeiro, está claro o consenso de que o pior da crise econômica ficou para trás. A grande dúvida, porém, é sobre o ritmo de retomada da atividade. Muitos especialistas ainda não acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá na velocidade esperada pelo governo. A equipe econômica aposta que o avanço será de 1,6% (a previsão anterior era de 1,2%), mas há muitos entraves no meio do caminho. Boa parte das empresas está quebrada, sem condições de retomar os investimentos. O consumo, por sua vez, continuará fraco. Apesar de as famílias terem reduzido o nível de endividamento, o desemprego se mantém forte e crescente.

 

A recuperação da economia é estratégica para o presidente interino, Michel Temer. Quanto mais rápido os resultados aparecerem, maior musculatura ele ganhará para negociar com o Congresso o pacote fiscal que precisa ser aprovado ainda neste ano para que o país volte a criar empregos e a distribuir renda. Um importante auxiliar do peemedebista reconhece que, sem uma melhora na atividade produtiva, o risco de fracasso do governo seria enorme. Como Temer tem baixa popularidade, num ambiente econômico restritivo ele certamente veria a base aliada definhar, enterrando a promessa de arrumação nas contas públicas. “Mas não é o caso”, diz.

 

A visão no Palácio do Planalto é de que parte dos agentes econômicos está subestimando tudo o que foi feito nos últimos três meses. Além de pôr fim às estripulias cometidas por Dilma Rousseff, cujo afastamento do poder será sacramentado no fim do mês, o governo conseguiu pautar o ajuste fiscal no Congresso. Assessores de Temer reconhecem que o tempo político não é o desejado pelo país, mas criticam as cobranças que vêm sendo feitas por economistas renomados de que o interino não está empenhado o suficiente para convencer deputados e senadores sobre a importância de se aprovar medidas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior.

 

Essa posição do governo é verbalizada pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida. Ele diz que não é possível fazer, rapidamente, em um ano ou dois, um ajuste fiscal do porte que o Brasil necessita. No entender dele, a velocidade da arrumação das contas públicas é uma decisão que depende de deputados e senadores. “Ajuste fiscal é, por natureza, um ajuste político”, afirma. E admite: quanto mais tempo o país demorar para equilibrar suas finanças, maior será a demora para a estabilização da dívida pública em relação ao PIB, que está em 70%.

 

Supondo que o governo aprove tudo o que está propondo ao Congresso rapidamente, a dívida parará de crescer em cinco anos, afastando o risco de calote do Tesouro Nacional. Um processo mais lento, contudo, fará com que o endividamento só se estabilize em 10 anos, na melhor das hipóteses. Nesse contexto, os investidores continuarão pedindo juros mais altos para financiar o governo, dificultando o ajuste fiscal.

 

Pistoleiro enlouquecido

 

Na opinião de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), não há por que ter euforia com a economia neste momento. Ele ressalta que o país, depois de um longo período afogado na recessão, voltou a respirar. Mas não se pode garantir ainda que continuará com a cabeça de fora. O que determinará isso será o casamento do tempo econômico com o tempo político, que andam muito distantes. “Não há outro caminho. Por isso, é importante que, logo após a aprovação do impeachment de Dilma, Temer acelere o passo no ajuste fiscal”, frisa.

 

O economista afirma que medidas concretas para o equilíbrio das contas públicas colocarão um freio no Banco Central, que, para ele, está atuando como um “pistoleiro enlouquecido, matando todo mundo”, ao manter o país convivendo com juros reais (que descontam a inflação) de 7% ao ano. “O BC acredita que, agindo assim, resolverá todos os problemas da economia. Não vai. O que realmente o Brasil precisa é de um ajuste fiscal para conter a escalada da dívida pública e trazer de volta a confiança”, diz.

 

Para Freitas Gomes, que foi duas vezes diretor do BC, a autoridade monetária, mesmo vociferando, terá que se render aos fatos e começar a cortar os juros. Além de reanimar o espírito animal do empresariado, dará uma força ao Ministério da Fazenda, pois reduzirá o custo da dívida. Hoje, quando os gastos com a dívida são contabilizados, a fatura chega a 10% do PIB. É o que os especialistas chamam de deficit nominal. Esse rombo é três vezes maior que a média observada em países emergentes. Uma aberração construída nos últimos cinco anos.

 

Não por acaso, o Brasil perdeu o selo de bom pagador e está próximo dos países considerados lixo pelas agências de classificação de risco. A equipe econômica acredita que, com a PEC dos gastos aprovada neste ano e a reforma da Previdência sancionada até o fim de 2017, o país poderá aspirar o retorno ao time das nações consideradas seguras para investimentos. Mas, para isso, será preciso superar todo o fisiologismo do Congresso e as corporações que não querem abrir mão de privilégios. Será, como diz Temer, uma batalha feroz.

 

Brasília, 05h34min