Coluna no Correio: Depois da porta arrombada

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No afã de responder às críticas contra o aumento de impostos para bancar uma máquina pública inchada e ineficiente, o governo anunciou que fará um programa de demissão voluntária para os servidores públicos. Em outro momento, certamente os investidores estariam pulando de alegria, pois a medida seria vista como um comprometimento com a boa gestão dos impostos pagos pela população. Mas, em meio a um momento de grave crise econômica, com mais de 13 milhões de desempregados, é difícil acreditar em uma grande adesão à proposta.

Não é só. O governo está adotando o PDV depois da porta arrombada, isto é, após conceder aumentos de até 30% ao funcionalismo divididos ao longo de quatro anos, entre 2016 e 2019. A fatura total desses reajustes chegará a R$ 100 bilhões, uma monstruosidade perto do R$ 1 bilhão que a União pretende economizar em 2018, caso 5 mil servidores optem por aderir ao PDV. Somente neste ano, a folha de salários com o funcionalismo chegará a R$ 284,4 bilhões. É a segunda rubrica do Orçamento, ficando atrás apenas da Previdência Social.

Apesar de consumir uma fortuna, o funcionalismo federal presta um péssimo serviço à sociedade. Quase nada funciona. Pior: não há avaliação dos servidores, não se consegue medir a produtividade deles. Mesmo não atendendo aos anseios da sociedade, que despeja, todos os anos, o equivalente a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) em forma de impostos no caixa do Tesouro Nacional, os empregados do setor público, ganham, em média, o triplo dos trabalhadores da iniciativa privada. A ineficiência está protegida pela estabilidade do emprego.

O corporativismo é tão forte, que o governo de plantão acaba ficando acuado. E coisas absurdas são aprovadas, como o bônus de eficiência que será pago aos fiscais da Receita Federal. Quando fazem concurso, eles sabem que vão receber um salário fixo para cobrar os devedores do Fisco. Mas, não satisfeitos, agora, passarão a ter direito a um adicional sobre o que for recuperado em impostos atrasados. Esse benefício, contudo, não está restrito aos servidores da ativa. Também será pago aos fiscais aposentados. Só essa brincadeira custará mais de R$ 6 bilhões aos cofres públicos até 2019.

Contraponto

O governo reconhece que o PDV pode não ser nada perto do tamanho da folha de salários dos servidores que, em 2018, passará dos R$ 300 bilhões. Mas um dos principais assessores do presidente Michel Temer acredita que a medida indica a disposição do governo de botar um freio nas despesas com o funcionalismo. É difícil acreditar. Quando chegou ao Planalto, em maio do ano passado, o peemedebista disse que cortaria cargos de comissão. E fez até um movimento nessa direção. Mas, diante da pressão dos partidos aliados, as nomeações voltaram com tudo e os chamados DAS já passam de 20 mil.

E mais: a despeito do arrocho no Orçamento, o Planejamento continua liberando a realização de concursos públicos. Somente na semana passada, autorizou 300 vagas para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), 600 postos para o Ministério da Agricultura e uma centena de cargos para a Advocacia-Geral da União (AGU). “Estamos falando de áreas estratégicas, que estão muito esvaziadas e precisam de reforços”, diz um integrante do Planalto. “Esse tipo de movimento, inclusive, fará com que o governo seja muito criterioso na condução do PDV, para que as adesões ocorram em áreas nas quais sobram servidores e não nas que há escassez de pessoal”, acrescenta.

Dentro do Planalto, a ordem é vender o discurso de eficiência para se contrapôr à percepção de um governo perdulário, que não mede esforços para se manter no poder. As avaliações informais feitas junto ao público apontam que a imagem de Temer se deteriorou muito depois do anúncio do aumento de impostos sobre combustíveis. Ficou a sensação de que a população está pagando a conta das emendas liberadas para parlamentares que derrubaram, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a denúncia de corrupção passiva contra o presidente feita pela Procuradoria-Geral da República. “Não há dúvidas de que o anúncio do PDV para servidores federais é uma resposta a essa visão distorcida”, afirma um ministro.

Ajuda do BC

Além de acreditar que pode colher frutos com a redução do quadro de pessoal, o governo conta com a ajuda do Banco Central para criar mais um fato positivo. O Comitê de Política Monetária (Copom) cortará, nesta quarta-feira, a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, dos atuais 10,25% para 9,25%. Será a primeira vez, desde o fim de 2013, que o país terá juros de um dígito. O discurso de Temer já está pronto: “A queda da Selic só foi possível graças à política econômica responsável que derrubou a inflação para abaixo de 4%”.

A demostração de gratidão ao BC, no entanto, não esconde uma certa frustração de Temer com a condução da política monetária. Na visão dele, com a inflação tão baixa — o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá cravar alta de 2,5% em 12 meses até julho —, o Banco Central poderia avançar o sinal e reduzir os juros em 1,25 ponto desta vez e em mais um ponto na próxima reunião do Copom. “Enfim, não dá para ter tudo. O importante é que poderemos rufar os tambores na quarta-feira. Os que nos criticam terão que baixar o tom, pois ficarão sem argumentos. Esse é o jogo”, encerra o mesmo ministro.

Vicente Nunes