Coluna no Correio: De novo, o consumo das famílias

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O Palácio do Planalto deu início à contagem regressiva. A menos de um mês da saída de Rodrigo Janot da Procuradoria-Geral da República, a crença no entorno do presidente Michel Temer é de que, afastado o estrago de novas denúncias contra ele — a próxima deve sair em até duas semanas —, o governo poderá usufruir das boas notícias que começam a pipocar na economia. O enfraquecimento da inflação e a queda dos juros estão proporcionando o que os especialistas denominam de expansão da renda disponível das famílias, cujo efeito sobre a atividade tende a ser benéfico nos próximos meses se nenhuma crise política surgir no horizonte.

Parte desse movimento foi impulsionada pela decisão do governo de liberar R$ 44 bilhões das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com o dinheiro sacado, muitas famílias conseguiram reduzir as dívidas, abrindo espaço para consumo futuro. O Palácio do Planalto dará mais gás a essa estratégia, mesmo que em menor potência, a partir de outubro, quando R$ 16 bilhões serão disponibilizados para idosos por meio do PIS e do Pasep. O governo espera, ainda, que a comoção do mercado com o pacote de privatização liderado pela Eletrobras resulte numa onda de investimentos.

Temer, por sinal, estabeleceu um marco para a virada definitiva da economia: a divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre em 1º de setembro. Até bem pouco tempo atrás, apostava-se firme que o indicador seria negativo. Hoje, já se fala em estabilidade ou em uma pequena alta. A avaliação do Planalto é de que, com a economia voltando aos trilhos — o descarrilamento ocorreu em 17 de maio, quando se tornaram públicas as delações de Joesley e Wesley Batista do grupo JBS —, a base aliada tornará mais fácil a aprovação no Congresso de medidas de interesse da equipe econômica.

Nos bastidores, culpa-se muito a equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de ter prometido uma reação mais forte da atividade logo depois da posse de Temer, o que permitiria um ajuste tranquilo das contas públicas. Como a recuperação não veio, a arrecadação, superestimada, minguou. Sem alternativa, Temer teve que assumir publicamente que está empurrando para o próximo governo a tarefa de organizar as finanças do país. E, pior, correndo o risco de ser acusado de cometer crime fiscal, repetindo o enredo de Dima Rousseff.

Queda do endividamento

Queixas à parte, o governo está se apegando a todo tipo de informação para reforçar o discurso de que a economia se descolou da política e ganhou musculatura. Um dos indicadores usados por assessores de Temer é o nível de endividamento das famílias medido pelo Banco Central. O total de débitos dos lares em relação aos salários acumulados em 12 meses caiu de 44,5%, em dezembro de 2015, para 41,5%, em maio último. O comprometimento da renda com o pagamento de dívidas, que chegou a 22,5% em março do ano passado, está, agora, em 21,3%. A projeção da equipe econômica é de que esse último indicador encerre o ano abaixo de 20%, patamar sem precedentes desde 2011. Nos cálculos de Rafael Cardoso, da Daycoval Investimentos, é possível que o comprometimento da renda com dívidas chegue ao fim de 2018 próximo de 18%.

Com o consumo das famílias voltando a puxar, temporariamente, o PIB, Cardoso avalia que a projeção de crescimento da economia para o próximo ano, de 2%, passe a ser o piso. “Não será surpresa se virmos um avanço de 3% em 2018. Pelos meus cálculos, o consumo das famílias pode adicionar até 1,85 ponto percentual no PIB do ano que vem”, ressalta. Carlos Thadeu Filho, economista da Consultoria MacroAgro, explica que, depois de crises tão profundas quanto a que vivemos, é natural que os lares reduzam as dívidas. “Mas, a partir do momento em que as perspectivas melhoram, isso se traduz em mais consumo. É o efeito mola”, acrescenta.

Thadeu ressalta, porém, que, para realmente haver surpresas positivas no PIB, é preciso que a crise política saia de cena. Os agentes econômicos necessitam de previsibilidade, seja para investir, no caso dos empresários, seja para consumir, no caso das famílias. “Certamente, se não houvesse uma crise política tão aguda, a economia estaria crescendo de forma mais expressiva. Agora, é certo que algum consumo maior virá, assim como investimentos. A queda da inflação e dos juros reduziu tanto o custo para quem consome quanto para quem produz”, conclui. Resta torcer para que o governo não provoque nenhuma barbeiragem no meio do caminho. Ninguém aguenta mais esse quadro de depressão.

Vicente Nunes