Coluna no Correio: De novo, o câmbio

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Técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central identificaram um movimento forte vindo do empresariado para pressionar o governo a fazer intervenções mais agressivas no câmbio. Desde a semana passada, uma leva de representantes da indústria passou pelo gabinete do ministro Henrique Meirelles e pelo Palácio do Planalto, com o discurso de que, se o dólar cair demais, há o risco de o país abortar a recuperação das exportações e prejudicar o ajuste das contas externas. São unânimes ao afirmar que o BC de Ilan Goldfajn está muito tímido em suas ações e pode repetir os erros cometidos nas administrações petistas, quando o real supervalorizado quase matou a venda de manufaturados para o exterior.

Os empresários alegam que só estão se antecipando aos fatos. Com o afastamento de Dilma Rousseff do governo, o dólar caiu de mais de R$ 4 para próximo de R$ 3,20. Após o impeachment definitivo da petista, que deve ser sacramentado até o início de setembro, eles acreditam que, se nada for feito pelo BC para conter o fluxo de recursos estrangeiros para o país, a moeda norte-americana desabará para perto de R$ 2,70. Nesse nível, dizem, os produtos brasileiros perderão competitividade e o saldo da balança comercial tenderá a despencar. Em julho, as exportações superaram as importações em US$ 4,6 bilhões, o melhor resultado para o mês desde 2006.

O número, porém, está mais influenciado pela retração das compras de produtos do exterior, devido à recessão, do que pelas vendas. Os empresários argumentam que, num quadro de recuperação da atividade, as importações tendem a recuperar o fôlego e, com o dólar baixo, não haverá como as exportações compensarem esse movimento. De novo, alegam, o país poderá ver a balança comercial no vermelho. “Quer dizer: o único ajuste que o Brasil conseguiu fazer até agora, o das contas externas, ficará ameaçado. Mas há como o governo evitar isso. Basta que o BC se mostre mais ativo no câmbio”, diz um representante dos industriais. “Não estamos fazendo pressão. Queremos apenas alertar para o que está por vir”, emenda.

Derretimento

Se dependesse só dos empresários, o BC já estaria comprando dólares no mercado à vista, a fim de manter a moeda acima de R$ 3,50, nível considerado adequado para as exportações. Na opinião deles, apenas as intervenções diárias de US$ 500 milhões por meio de contratos de swap reverso, espécie de compra futura da divisa dos Estados Unidos, não serão suficientes para segurar as cotações se o esperado fluxo de recursos se confirmar. A diretoria da autoridade monetária, no entanto, não está disposta a avançar o sinal. Reafirma, constantemente, que o câmbio é flutuante e, no máximo, age para conter a volatilidade.

Para o presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, Manuel Enriquez García, o BC só deve entrar mais pesado no mercado em caso de derretimento excessivo do dólar, o que não é o caso. Ele acredita que o discurso de que o câmbio está na base de todos os problemas de competitividade da indústria está ultrapassado. “Não é a política cambial que vai definir se os produtos brasileiros são ou não são competitivos no exterior. Há outros problemas mais graves, como o excesso de tributos, as falhas na logística e o custo da mão de obra, esse último já sendo corrigido pelo desemprego”, afirma.

No entender de Eduardo Velho, economista-chefe da A2A INVX Asset, em vez de pressionarem o BC, os empresários deveriam trabalhar pesado para que o Congresso aprove as medidas de ajuste fiscal que foram elaboradas pelo Ministério da Fazenda. “Com as contas arrumadas, o governo terá condições de, futuramente, reduzir a carga tributária”, assinala. “Hoje, por causa do desarranjo fiscal, o risco de haver aumento de impostos é grande. Certamente, nenhum empresário deseja isso. Portanto, as pressões deveriam ser redirecionadas para os parlamentares”, destaca.

Tanto García quanto Velho não veem o BC usando o câmbio para segurar a inflação. Para eles, a política da autoridade monetária está clara: o único instrumento de combate à carestia é a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano. “É justamente a clareza no discurso e nas ações do time comandado por Ilan que está fazendo com que as expectativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caminhem rapidamente para o centro da meta, de 4,5%”, diz Velho. Os dois economistas ressaltam que não será surpresa se o custo de vida desabar em setembro, com a perda de força dos alimentos, e com o Comitê de Política Monetária (Copom) dando início, em outubro, à queda dos juros.

Brasília, 07h10min

Vicente Nunes