Coluna no Correio: Corrupção entranhada

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O governo, realmente, é um campo fértil para a corrupção. Não há hoje, no Estado, nenhum mecanismo de controle que se possa chamar de eficiente. Tudo é feito de forma amadora, permitindo que o dinheiro recolhido de empresas e trabalhadores escorra pelo ralo sem que os criminosos se sintam constrangidos.

Como bem ressalta um importante integrante da equipe econômica, todos os olhos estão voltados para as denúncias que estão emergindo da Operação Lava-Jato, que desarticulou a quadrilha que saqueava a Petrobras. Mas os pequenos desvios, a corrupção do dia a dia, continuam latentes e tirando dos cofres públicos um volume monstruoso de recursos.

Ao ter acesso aos números que compõem o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, já encaminhado ao Congresso, esse técnico observou um manancial para a roubalheira. “São coisas que o grande público não percebe, mas que mostram como a corrupção se institucionalizou e não perdoa centavos”, ressalta.

Ele cita como exemplo as estatísticas sobre os servidores públicos que integram os Três Poderes e o Ministério Público da União. É uma farra. Há, hoje, no Executivo 10.584 servidores com menos de 18 anos, o que é proibido por lei, e 9.573 pessoas ganhando menos do que um salário mínimo, também inadmissível, segundo a legislação.

O descontrole é tamanho que o Executivo não consegue identificar os registros de 96 pensionistas, e sequer sabe quanto eles ganham. Os dados mostram ainda que há 67 pensionistas com 106 anos ou mais e 28 aposentados na mesma faixa etária. Há suspeitas de que essas pessoas já morreram, mas seus parentes continuam recebendo os benefícios.

Esse quadro de descalabro se repete no Legislativo, no qual 224 pessoas ganham menos que um salário mínimo, e no Judiciário, em que 546 registros de aposentados e de 1.082 pensionistas não contêm os valores dos benefícios. Ninguém no governo sabe explicar, de forma efetiva, o que esses números representam. A alegação é de que se tratam de distorções insignificantes, que pouco representam dentro da imensidão que é a folha do funcionalismo federal.

Descaso

Mesmo insignificantes, essas distorções estão explicitadas em um projeto de lei que passará por votação no Congresso. Assim como há furos na folha de pagamento do funcionalismo, há buracos enormes em outras áreas do governo, estimulando a malversação do dinheiro do contribuinte. O descaso só estimula a roubalheira.

O mais assustador é não ver ninguém do governo propondo medidas concretas para fechar os ralos. Até agora, o pouco que foi anunciado, como o pente-fino nas aposentadorias por invalidez e nos auxílios-doença, não é suficiente para estancar a sangria. É preciso rever conceitos e, sobretudo, mudar regras que incorporaram os abusos.

Veja o caso do sistema eletrônico de compras aberto pelo Ministério do Planejamento, onde havia se instalado a quadrilha que roubava dinheiro dos servidores por meio de empréstimos consignados. Os pregões permitem que os vendedores já cobrem, de antemão, até 25% a mais do Tesouro Nacional. O mais intrigante são as regras específicas fixadas para os participantes. É como se houvesse interesse em proteger grupos que podem render excelentes propinas.

Até agora, não foi feito nenhum trabalho sério para mostrar se esse sistema, que permite sobrepreço, quando deveria estimular descontos, realmente é eficiente e está agregando valor. “Infelizmente, nada é avaliado. As pessoas no governo implantam sistemas, criam programas de incentivos, mas jamais se preocupam em medir os resultados e impor controles rígidos”, afirma um funcionário do Planejamento que conhece muito bem a estrutura da máquina pública.

Cabide de emprego

Esse comportamento desleixado prevalece em tudo. Veja o caso da Petrosal, a estatal criada no governo Dilma para administrar a parcela da União nos campos de petróleo. Há falhas gritantes no projeto. A equipe da petista esqueceu, por exemplo, de definir regras para a comercialização do óleo extraído. A empresa está de mãos atadas, quando poderia estar irrigando os cofres do Tesouro.

Dilma, porém, resolveu remunerar bem os executivos que tocam a Petrosal. O salário dos diretores é de R$ 60 mil por mês. Eles podem até ter boa vontade e disposição para trabalhar, mas pouco fazem diante das amarras impostas à estatal, o que reduz o interesse de grandes investidores pelos leilões que o governo pretende fazer neste e no próximo ano.

“É assim, de projeto em projeto malfeito, que vai se ampliando o cabide de empregos e permitindo que o dinheiro público seja desviado por caminhos nada republicanos”, acrescenta o mesmo técnico do Planejamento. Portanto, recomenda ele, é importante que a população pressione as autoridades a buscar eficiência no governo e a acabar com o que não funciona.

Essa pressão deve ser ainda maior quando há o risco de se aumentar impostos. Incapaz de fazer um ajuste fiscal consistente, enxugando a máquina pública, o presidente interino, Michel Temer, já avisou que, tão logo o Senado aprove o impeachment definitivo de Dilma Rousseff, um pacote de maldades será aberto. E dele, certamente, sairá a elevação de tributos. Que ninguém se engane com as negativas. O governo sempre optará pelo caminho mais fácil.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes