POR PAULO SILVA PINTO
A prisão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci ontem pela Polícia Federal causou pouca comoção. Foi bem diferente do que ocorreu na semana passada com o sucessor dele no cargo, Guido Mantega, levado sob custódia da porta do hospital onde sua mulher passava por um procedimento cirúrgico. O drama familiar de Mantega contou muito a seu favor, a ponto de a prisão ser revogada pelo juiz Sérgio Moro. Mas não é só isso. Ele não é suspeito de ter se enriquecido de forma irregular.
Palocci, por outro lado, enfrentou acusações ainda por conta de sua gestão como prefeito de Ribeirão Preto. O então ministro teve de deixar o governo Lula em 2006, depois do episódio em que o caseiro Francenildo Santos Costa o acusou de frequentar uma casa no Lago Sul ocupada por conterrâneos suspeitos de integrar um esquema de fraudes. Santos teve o sigilo bancário violado e foi injustamente acusado de receber dinheiro para apresentar as denúncias. A quantia havia sido depositada em sua conta pelo pai biológico, que se recusava a reconhecê-lo oficialmente como filho.
“Naquela época me convenci de que Palocci não merecia confiança. Mas muita gente não mudou de ideia”, conta o economista Carlos Eduardo de Freitas, que foi diretor do Banco Central em duas ocasiões, no governo Sarney e no de Fernando Henrique Cardoso.
Apesar da derrota, Palocci seguiu com grande trânsito no mercado e no governo. Elegeu-se deputado e seguiu prestando consultoria. É de 2009, quando ele exercia o mandato parlamentar, uma parte das ações suspeitas de favorecimento à Odebrecht. Foi peça-chave na primeira eleição de Dilma Rousseff, que o fez ministro-chefe da Casa Civil. Caiu no primeiro semestre de governo exatamente pela venda de serviços durante o mandato parlamentar. A presidente julgou que, ainda que não fosse ilícito, isso não era moralmente aceito. Pouco importava o fato de que outro integrante de seu governo tivesse o mesmo histórico. Afinal, ele dispunha de maior afeição da chefe de Estado.
A segunda saída de Palocci foi bastante lamentada por analistas de grande reputação. Foi uma espécie de marco do distanciamento de Dilma do projeto de aproximação do PT com o mercado. Alguns viram isso naquele momento. Outros, registraram a inflexão mais tarde. O fato é que Dilma realmente se sentiu livre a partir dali para aventuras heterodoxas. Meses depois de Palocci deixar o cargo, o BC já começava a baixar os juros. Não havia, porém, condições de afrouxar a política monetária sem que os preços disparassem.
O resultado foi a deterioração econômica que dura até hoje: disparada da inflação, que chegou aos dois dígitos, e da própria Selic, o que se fez inevitável na tentativa de controlar a carestia e ajudou a agravar a recessão em que o país se encontra.
Período heróico
Ainda como responsável pela campanha eleitoral de Lula, Palocci foi o fiador da aproximação do então candidato com o mercado. Feito ministro da Fazenda, promoveu um ajuste fiscal na melhor linha do que os petistas radicais chamavam de política neoliberal. A busca de superavits primários foi a inflexão que permitiu a retomada da confiança dos agentes econômicos e o forte crescimento econômico que se seguiu, acelerado pelo boom no preço de commodities.
A política econômica pró-mercado não se limitou às medidas do Executivo. O governo conseguiu no Congresso Nacional a aprovação da reforma previdenciária do setor público, entre outras mudanças. Para analistas e empresários, só havia motivos de comemoração. Pouco importava como vinha aquilo. Mais tarde ficou claro que o apoio parlamentar havia sido conseguido com as propinas do mensalão.
O que acaba valendo é a visão pragmática. Se o único jeito de resolver um problema e conseguir avanços é algo irregular, ou mesmo ilícito, a ação pode se justificar. Claro que o mercado não é algo monolítico e comporta muitas pessoas que pensam de outro modo. Mas, em geral, costuma se seduzir por soluções simples, rápidas e aparentemente eficazes.
Há que se notar que as ambições vão muito além da melhora do ambiente de negócios ou da economia do país. A prioridade de um empresário, claro, é transpor os obstáculos que afetam diretamente a empresa. Corrupção pode ser uma maneira de garantir o contrato e o lucro. É por essa razão que muita gente continuou procurando Palocci, que, mesmo após a segunda defenestração do Planalto, mantinha trânsito e poder. A informação do Blog do Vicente de que ele discutia a substituição de Mantega em 2013 animou operadores investigados no esquema de corrupção da Petrobras, conforme demonstra troca de mensagens incluída nos autos da Lava-Jato. Aliás, se poucos se comovem com a prisão de Palocci, há os que experimentam temor, pela disposição que ele poderá ter de abrir a boca.
O problema de aceitar a corrupção, mesmo que seja para garantir um avanço social ou institucional, é que é impossível controlar seus limites. A mazela apodrece toda a sociedade. Muitos empresários que recorrem a meios ilícitos depois percebem que o instrumento deixou de ser um modo de conquistar o negócio. Tornou-se, simplesmente, a condição para não ser alijado do processo.
A percepção dos brasileiros, certos ou não, é que a corrupção está aumentando no país. Ao mesmo tempo, a economia mergulhou em uma espiral negativa. A ajuda de Palocci não é mais de grande valia a empresários. E quase ninguém vê razão para chorar por ele.
Brasília, 06h30min