ANTONIO MACHADO
Duas certezas e uma dúvida se consolidam no país. Uma delas é que a economia está saindo do buraco. A outra é que a verdadeira crise que nos consome é e sempre foi política, não econômica. A dúvida é se há consciência na sociedade sobre como reinventar a política.
A economia é a caixa de ressonância das ambições desmedidas e dos erros dos governantes, dos parlamentares, dos juízes e promotores, e… Sim, não tiremos o corpo fora: de nós todos. Vimos a vaca indo para o brejo, como se diz, e continuamos votando em gente ruim. Não se culpe a baixa escolaridade da maioria do eleitorado por isso.
Bem formados também votam mal, forçando, frequentemente, o quadro eleitoral a opções teratológicas. Na última eleição para prefeito do Rio, por exemplo, não foi bem Marcelo Crivella (PRB) que venceu, mas Marcelo Freixo (PSOL), preferido da elite educada, que perdeu.
Disputa sortida, com candidatos do mesmo campo embolados, é como jogo de cara ou coroa — pode dar qualquer coisa. A dúvida para 2018 é essa. Com o governo mais por baixo que sola de sapato, não faltam arrivistas com falas toscas e nenhum compromisso com a realidade do setor público quebrado e capturado por burocracias de funcionários e por interesses obscuros — esses da Lava-Jato, às vezes deturpada pelos próprios operadores.
“A crise real que nos consome é política, não econômica. A dúvida é se saberemos reinventá-la”
A banalização pelo Ministério Público, endossada pelo Judiciário, do conceito de organização criminosa para políticos corruptos, por exemplo, fez da política uma atividade execrada, a exigir renovação de parlamentares e de governantes, o que é certo — e da governança pública, dos processos que a fazem funcionar e das instituições que ordenam o contrato social, o que é altamente incerto.
O reformismo pós-PT tomou o fim como princípio, que é o que se fez com a indexação do orçamento à inflação, sem mudar a estrutura dos gastos que o formam. No máximo, propôs-se a reforma da Previdência, mas não da estrutura salarial do Estado, em especial, das carreiras da União e dos poderes autônomos (Judiciário, Ministério Público e Legislativo), onde estão as categorias cujos rendimentos violam em geral o teto constitucional e abusam de expedientes finórios. Isso não muda só com gente nova, se a cada eleição o voto expele metade do Congresso. Quem faz essa aposta vai quebrar a cara.
Degeneração social
A desordem política é a sequela de uma degeneração social ampla e irrestrita e disso poucos falam. Exemplos de um país sem rumo estão em toda parte. Está na novela em que criminosa é glamourizada pela sua vida sofrida e o galã combina mau-caratismo com ingenuidade.
Está no STF, em que o ministro que caçoou fora dos autos o senador pilhado delinquindo é o que deu liminar autorizando o pagamento de auxílio-moradia a juízes e procuradores. O caso espera julgamento há três anos. A decisão depende da presidente do STF, Cármen Lúcia.
Essa mordomia, segundo o Contas Abertas, que monitora as contas fiscais, já custou R$ 4,5 bilhões ao erário desde 2014, quando Luiz Fux deu a liminar. Como falar de reforma tributária diante de casos em que o tributo arrecadado, que é muito (só a parte da União passa de R$ 1,3 trilhão), é gasto sem critério? A reforma necessária é a do gasto, seguida da discussão sobre como bancá-lo e de quem cobrar — esta, sim, é a sequência e o contexto da reforma tributária.
Química da renovação
O Brasil de 2019 vai estar impactado pela convergência de assuntos desregrados, indo da economia à cultura, da gestão do setor público à política, dos limites do Ministério Público Federal à retomada do controle do Estado pelos governantes eleitos. Hoje, há uma situação tendendo à ingovernabilidade, que é o nosso maior risco.
O STF legisla, atropelando o Congresso acuado pelos procuradores, com o Executivo sob suspeita e perdendo a direção, os partidos sem moral, líderes políticos nacionais condenados. Nenhuma nação passa impune por uma razia assim. É surpreendente que a economia esteja saindo da recessão, criada pelos desvarios do governo Dilma, e o clima social, relativamente calmo, apesar das frustrações.
Mas até quando? A resposta depende dos eleitos em outubro de 2018, e não bastará trocar a turma da pesada por gente nova, não bem pela falta de experiência, que em certas ocasiões é qualidade, mas sem maturidade atestada (ou inteligência emocional). Talvez a formação adequada seja a que misture gente nova a veteranos sem resquícios de mácula, nem de atuação patrimonialista e cabeça atrasada.
O campo está aberto
Enfim, a percepção ainda embrionária é de que o eleitor procura não o líder com cabelos pretos só por ser jovem, nem o carbonário de fala grossa e horizontes estreitos ou o demagogo cujo tempo passou. Tais são os nomes que aparecem nas sondagens de opinião à falta do que cogitar. E mais valioso: de um programa crível que justifique a preferência. O campo está aberto, todas as iniciativas renovadoras são válidas, mas que passem pela política pautada pelas reformas. O resto é diversionismo, enquanto o mundo progride e a gente rateia.
Economia saiu do coma
A 12 meses das eleições, o dado animador é que a economia saiu do coma e respira sem aparelhos. O paciente exige atenção, já que as crises fiscais, como acidentes vasculares, podem deixar sequelas. Mas, como lista o economista Fernando Montero, cuja visão não se embaça facilmente, o viés é de retomada do consumo e investimento, de mais crédito livre, mais trabalho formal que informal (hoje, o destaque da recuperação), algum aumento de inflação (mas dentro do teto de 4,5% em 12 meses), menos provisionamento bancário contra os devedores duvidosos. Tudo gradual, mas seguro. Tais componentes são os que mais recolhem impostos, o que começa a despontar nas contas do governo, ensaiando um início de normalidade fiscal.
Se a política deixar, o crime organizado for contido, os modernos da cultura forem menos provocadores e a Justiça só fizer o que lhe cabe, só faltará o movimento que arrebate as esperanças nacionais.
Brasília, 00h12min