O Estado brasileiro se tornou uma aberração. Mesmo consumindo, todos os anos, um terço (32,66%) das riquezas produzidas pelo país, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB), registra rombos monstruosos no caixa — serão R$ 170,5 bilhões em 2016 e R$ 139 bilhões em 2017 — e não consegue prestar serviços básicos de boa qualidade à população. O sistema de saúde está estraçalhado, a educação se deteriorou por completo, e a segurança pública simplesmente sumiu do mapa.
Não por acaso, diz o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, o Brasil terá que decidir que tamanho de Estado quer ter. O que está em vigor hoje não se sustenta mais, pois consome uma carga pesada de impostos sem entregar o que promete. Para ele, não há como esperar um modelo de Estado semelhante ao que vigora na Dinamarca, no qual o governo oferece tudo, nem se deseja algo que prevalece nos Estados Unidos, em que quase tudo é privado.
Na avaliação de Rachid, o governo está ciente de suas responsabilidades e de suas limitações. Tanto que propôs um limite para o aumento de gastos da União por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Sem esse teto, que será corrigido pela inflação do ano anterior, o que já está ruim ficará pior. Ele ressalta que, neste momento, não se cogita aumento de impostos, pois a convicção é de que o Congresso assumirá suas responsabilidades. Caso isso não ocorra, algo terá que ser feito para reverter o buraco nas contas públicas.
O secretário da Receita reconhece que, além de um teto para os gastos, o país terá que rever sua estrutura tributária. Da forma como está estruturado, o sistema acaba criando uma série de imperfeições que limita a expansão do setor produtivo. A discussão está em aberto e o governo está ciente de todas as queixas de empresários, que atribuem ao modelo tributário o crescimento expressivo do contrabando e da pirataria.
À margem da lei
A situação é tão dramática, afirma Evando Guimarães, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), que a economia subterrânea, que vinha em queda há 11 anos, voltou a crescer, atingindo 16,2% do PIB. Na visão dele, é inadmissível que o governo cogite a possibilidade de aumentar impostos para equacionar os problemas fiscais, pois o resultado será o aumento da informalidade. Ele defende, com veemência, a aprovação da PEC dos gastos.
Para Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, falar em elevação de tributos neste momento de crise é um equívoco. No entender de Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade, o caminho mais correto é cortar gastos para reconstruir a confiança dos agentes econômicos. O Brasil registrará em 2016 o segundo ano consecutivo de queda do PIB. A contração acumulada será superior a 7%, algo sem precedentes em um período tão curto de tempo. Será a primeira vez, desde 1930 e 1931, que o país terá dois anos seguidos de retração.
Esse quadro, diz o deputado Efraim Filho (DEM-PB), mostra a urgência em que nos encontramos. Segundo ele, não há mais como o país adiar as tão esperadas reformas estruturais, entre elas, a tributária. O problema é que nenhuma unidade da Federação quer abrir mão de recursos. Isso vale, inclusive, para o governo federal. Com isso, o Congresso acaba não se empenhando para levar adiante uma simplificação no sistema de impostos, um emaranhado de regras e números que só favorece aqueles que querem sobreviver à margem da lei.
Voz da razão
Tanto o advogado Sacha Calmon quanto o diretor de Políticas Estratégicas da Confederação Nacional do Comércio (CNI), José Augusto Fernandes, afirma que não é por meio de mais impostos que o governo conseguirá resolver o principal problema do país, o rombo fiscal. Os dois são enfáticos: o governo precisa cortar gastos, diminuir seu tamanho, ser mais eficiente. O certo é dar condições para que o setor privado lidere o processo de retomada da economia. Isso passa por punir o mercado ilegal, acabar com a pirataria, a sonegação e a corrupção, que só favorecem a concorrência desleal.
Segundo o advogado Cristiano Carvalho, chegou a hora de o Brasil premiar aqueles que seguem a lei, que pagam seus impostos em dia. Ao não coibir as empresas que atuam nas sombras, negociando produtos clandestinos, o governo permite a expansão do crime organizado e coloca em risco a saúde da população. Para Roberto Haddad, sócio da empresa da auditoria KPMG, se optar por um sistema tributário mais simples, com certeza, o país estimulará os investimentos privados, sobretudo os estrangeiros, vitais para a retomada da economia.
Na opinião dos especialistas, a boa notícia é que o governo parece, finalmente, estar ouvindo a voz da razão. Resta saber se não estamos diante de um sopro de otimismo. Está claro que, se o Palácio do Planalto fracassar na promessa de arrumar as contas públicas e de tornar a economia mais competitiva, a crise da qual todos querem se livrar retornará ainda mais forte. E as consequências serão dramáticas para a população.
Brasília, 06h30min