Coluna no Correio: Bondades são inflacionárias

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POR PAULO SILVA PINTO

Até mesmo alguns países em desenvolvimento conseguem ter inflação de não mais do que 3% ao ano, e sem fazer um esforço enorme para isso. As vantagens são muitas. É possível ter previsibilidade na contratação de empréstimos de longo prazo. Os juros podem ser baixos, afinal não é preciso combater a carestia, permitindo à economia crescer. Empresários e trabalhadores não perdem tanto tempo quanto aqui discutindo reajustes de salários. Agentes econômicos, de modo geral, deixam de gastar energia para checar constantemente se as receitas não estão perdendo para os custos. Podem se dedicar a construir uma economia mais eficiente, inovadora e justa.

Isso é possível em muitos lugares. Menos aqui. O Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou ontem a meta de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 4,5% em 2018, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. É o que já estava previsto para vigorar em 2017. Será uma grande vitória se conseguirmos chegar ao centro da meta, visto que nos últimos anos nos acostumamos a rodar perto do máximo da margem, de dois pontos até o fim deste ano. Em 2015 estouramos até mesmo o limite, e neste ano isso vai acontecer de novo.

Com um histórico recente tão ruim, parecia exagero que muitos esperassem uma nova meta, de 4%, para 2018. O sonho era acelerar o processo de convergência do Brasil para padrões monetários civilizados, não exatamente de primeiro mundo, mas, ao menos, dos melhores países em desenvolvimento no aspecto da estabilidade.

Corte de gastos

O economista Sergio Werlang, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), está entre os realistas. Ele explica que não é possível chegar lá por ora se temos tanta dificuldade para reduzir vários gastos do Estado, por exemplo com os funcionários públicos. O Legislativo aprovou, e o governo deve sancionar, aumento de até 41,5% para funcionários do Judiciário ao longo dos próximos anos, em meio à maior recessão que país já atravessou em sua história, com 11,4 milhões de desempregados nas ruas. A crise resulta em queda da arrecadação e aumento do deficit público. O resultado primário será negativo em R$ 170,5 bilhões neste ano e ficará acima de R$ 100 bilhões no próximo.

“Em países europeus, a primeira coisa que se faz nessas situações é reduzir o salário de funcionários públicos. Aqui, isso não é possível. Assim, é preciso de uma inflação nesse nível para, ao menos, reduzir os salários reais”, explica Werlang. Ele foi diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) na gestão de Arminio Fraga, na qual lhe coube a tarefa de implantar o regime de metas de inflação no Brasil.

Aqui, além de não demitir funcionários, acaba-se até mesmo aumentando a remuneração. E não é só isso. O governo abriu mão de R$ 50 bilhões de dívidas dos estados e municípios. E aumentou o benefício do Bolsa Família. A lista de bondades realizadas pelo governo interino, em troca de governabilidade, já soma R$ 125 bilhões. Com uma situação assim, é mesmo difícil sonhar com um país que chegue a outro patamar de estabilidade econômica.

Werlang argumenta que, no caso da dívida dos estados e municípios, seria possível chegar a um acordo melhor para a União, mas o prazo exíguo não permitiu uma negociação mais eficiente. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que se chegasse ao acerto em 60 dias, do contrário poderia dar ganho de causa à sandice de refazer as contas das dívidas com juros simples, algo que só existe em monarquias islâmicas absolutistas. Se passasse a existir aqui também, o que esteve longe de ser impossível, aumentaria ainda mais a conta a ser paga pela União, ou seja, por todos os brasileiros.

Sinal errado

Também vê como inevitável o aumento concedido ao Bolsa Família, que já estava congelado há muito tempo. Se, nesses dois itens, as concessões eram necessárias, no caso do funcionalismo, não. “Emitiu-se um sinal errado”, avalia o economista. Não é só ele que pensa assim. A máquina pública brasileira é pesadíssima. O nosso Judiciário, que obteve os maiores aumentos, custa quatro vezes mais, proporcionalmente, ao que consome em recursos públicos o da a Alemanha. Reportagem do Correio mostrou que o salário inicial de funcionários da Justiça aqui são 50% superiores aos dos Estados Unidos, por exemplo.

Reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos exigirá um esforço grande do governo. Para começo de conversa, será preciso aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação. Em seguida, uma reforma da Previdência que faça jus ao nome — o governo decidiu que isso vai ficar para depois das eleições municipais. E, mesmo depois de chegar lá, ainda haverá muito caminho pela frente. “É preciso acabar com desonerações e depois verificar se estamos gastando o razoável com o seguro-desemprego, por exemplo, e outros programas. Temos que observar o que acontece com esses gastos em outras economias semelhantes”, defende.

Mesmo nesse ambiente de ajuste, há espaço para redução de juros. Werlang acha que será possível cortar a Selic a partir de outubro. É importante lembrar que a decisão de ontem, de manter a meta de 2018 em 4,5%, pode ajudar nesse objetivo ao longo de 2017. Mantida a taxa de juros atual, o IPCA chegará a 4,2% no ano. Ou seja, é possível aliviar a política monetária, mesmo sob o risco de que a inflação fique um pouco acima disso.

Para Werlang, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, demonstrou que não fará exageros para cima ou para baixo. Assim, não será hawkish nem dovish, na linguagem do mercado. “Ele será neutro, como Arminio”, vaticina. O ex-diretor do BC defende uma mudança no sistema de metas: em vez de considerar o ano-calendário, levaria em conta os últimos 12 meses. “Assim será possível perceber mais rapidamente se a inflação está fugindo da meta. Mas isso só deve ser feito quando chegarmos aos 4,5%”, explica.

Brasília, 00h19min

Vicente Nunes