Engana-se quem se comoveu com a gritaria de petistas contrária à prisão de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda de Lula e de Dilma Rousseff, alegando condições desumanas ao se cumprir uma decisão judicial num hospital, onde ele acompanhava a mulher em uma cirurgia. Na verdade, o movimento sentimental, muito bem construído pelo PT, tenta abafar o conteúdo explosivo que pode vir de uma possível delação do mais longevo chefe da equipe econômica.
Esse medo se justifica. Se Mantega abrir a boca, o risco de Dilma, que foi apeada do poder, ser engolfada de vez pelas denúncias de corrupção na Petrobras será enorme. Nenhum ministro foi tão próximo da petista quanto ele. O argumento de Dilma contra o impeachment sempre foi o de que nunca se provou nada de errado em relação a ela e que a interrupção de seu mandato foi um golpe. Com Mantega revelando como operava a política econômica, tal discurso cairá por terra.
Sempre se acusou Mantega de destruir a economia, ao estraçalhar as contas públicas e empurrar o país para a mais grave recessão da história. Agora, descobriu-se, com as investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, que o ex-ministro era um grande operador do caixa do PT. Assim como ele teria pedido R$ 5 milhões ao empresário Eike Batista para quitar dívidas de campanha, não se pode descartar a requisição de outros favores com base em decisões tomadas pela Fazenda.
Desde que substituiu Antonio Palocci no comando da economia, em 2006, ainda no governo Lula, Mantega passou a tocar uma política de subsídios para setores específicos. Ou seja, abriu mão de impostos sob o argumento de que o país precisava estimular o consumo. Ao mesmo tempo, comandou a política de campões nacionais, por meio da qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiava grupos eleitos pelo Palácio do Planalto.
Não se pode dizer que todas as medidas beneficiando empresários tinham como contrapartida obter vantagens para o PT. Mas o modelo adotado por Mantega sempre foi suspeito, sobretudo pela falta de transparência e pela insistência, já que os programas não proporcionaram ganhos à economia. Na verdade, houve uma grande transferência de renda para o empresariado, que resultou em um salto espetacular da dívida pública, que beira hoje os 70% do Produto Interno Bruto (PIB).
Operação Zelotes
As suspeitas contra Mantega não se restringem à corrupção que devastou a Petrobras. As denúncias feitas pelo empresário Eike Batista, dono da OSX, se somam aos indícios de que o ex-ministro atuou para favorecer amigos e empresários por meio de medidas provisórias. As possíveis irregularidades foram levantadas pela Operação Zelotes, que desbaratou um esquema para tentar derrubar, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), punições bilionárias impostas pela Receita Federal. Nas investigações, foram encontrados sinais firmes de que Mantega teria atuado em favor de um empresário para o qual vendeu imóveis em São Paulo. O ex-ministro negou qualquer desvio da lei.
“O poder de Mantega nos governos petistas foi enorme. Tudo passou pelo crivo dele”, diz um ex-ministro de Lula. Na Petrobras, ele substituiu Dilma na presidência do Conselho de Administração. Foi dele a decisão de obrigar a estatal a segurar os preços dos combustíveis para evitar o estouro do teto da inflação, de 6,5%, a fim de favorecer a eleição e a reeleição de Dilma. Essa política custou mais de R$ 60 bilhões aos cofres da empresa. Mantega comandou ainda o uso dos bancos públicos para promover um superendividamento das famílias e para fazer as pedaladas fiscais que deram base ao processo de impeachment da petista.
Além de Eike, que tinha trânsito livre em seu gabinete e o denunciou, o ex-ministro se aproximou muito do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual. Em meio à crise mundial de 2008 e 2009, Mantega operou o socorro da Caixa Econômica Federal ao Banco Panamericano — hoje, Pan, controlado por Esteves, que foi preso no âmbito da Operação Lava-Jato, acusado de tentar atrapalhar as investigações. Essa operação, por sinal, está no radar da Polícia Federal, pois o banqueiro soube, como poucos, tirar proveito do projeto de poder tocado pelo PT.
À flor da pele
Por meio de pessoas próximas, Mantega nega qualquer irregularidade e acusa Eike de falsificador. Faz parte do jogo. Mas essas mesmas pessoas reconhecem que o ex-ministro está encrencado. O fato de o juiz Sérgio Moro tê-lo liberado da prisão, devido à doença da mulher, não significa que ele se livrou das garras da Justiça. Muito pelo contrário. As provas colhidas contra Mantega são contundentes. O dinheiro repassado por Eike ao PT para quitar dívidas da campanha de Dilma de 2010 com os marqueteiros João Santana e Mônica Moura foi todo rastreado.
“Mantega tem muito o que falar. Não acreditamos que ele o fará, não agora, pois faz parte do grupo que prefere pagar caro para proteger o PT”, afirma um amigo de longa data do ex-ministro. Para Mantega, a questão partidária sempre esteve acima de tudo, até mesmo da família. “Mas isso pode mudar. Com a exposição à qual está sendo submetido, o filho adolescente abordado pela polícia e a mulher com a saúde delicadíssima, Mantega está no limite. Segurar o emocional dele será uma tarefa muito difícil para o PT”, alerta.
Brasília, 06h30