Coluna no Correio: Boia de salvação

Publicado em Economia

As grandes concessionárias que tocam obras no Brasil estão enfrentado um problema inusitado. Para manter os canteiros funcionando, têm sido obrigadas a bancar uma série de despesas que seriam de responsabilidade das construtoras contratadas, porque essas empresas estão com o caixa estraçalhado e sem acesso a linhas de crédito. “Estamos comprando parte do material para os empreendimentos e bancando a folha de salários”, diz Renato Alves Vale, presidente da CCR, líder do consórcio responsável pelas obras da TransOlímpica, no Rio de Janeiro, e do metrô de Salvador.

 

A situação está tão grave, acrescenta Vale, que as concessionárias precisam fiscalizar se realmente os recursos repassados para os trabalhadores são usados de forma correta. O risco de desvios é alto. O executivo ressalta que as dificuldades que abatem as construtoras já levaram 360 delas a pedirem recuperação judicial nos últimos meses. Os problemas não distinguem grandes e pequenas empresas. Todas sofrem as consequências da Operação Lava-Jato, que desnudou o esquema de corrupção liderado pelo PT e pelo PMDB que saqueou a Petrobras.

 

A grande preocupação do presidente da CCR é que esse quadro dramático não se resolverá tão cedo e pode ser um empecilho para o programa de concessões que o governo quer fazer deslanchar depois da aprovação definitiva do impeachment de Dilma Rousseff. As construtoras são vistas como players (operadores) importantes para atrair capitais, sobretudo do exterior, para os empreendimentos licitados. Infelizmente, afirma Vale, “os grandes players brasileiros, que servem de veículos para os investimentos, estão machucados”.

 

Ele não culpa, porém, a Lava-Jato por esses problemas. Muito pelo contrário. Acredita que a operação conduzida pela Polícia Federal, que levou para a cadeia políticos e empreiteiros de grosso calibre, terá forte efeito educativo. Houve, na opinião dele, excessos por parte das construtoras. Mas, quando a casa for arrumada, não se verá a repetição de obras superfaturadas e adiadas por prazos a perder de vista. A eficiência tenderá a prevalecer.

 

Apagão da caneta

 

A boa notícia, no entender do executivo, é que há dinheiro de sobra no mundo para os projetos que o governo pretende transferir à iniciativa privada. Com as taxas de juros negativas nas economias desenvolvidas, os grandes fundos de investimentos, especialmente aqueles que precisam garantir bons rendimentos a longo prazo para bancar aposentadorias, estão dispostos a colocar dinheiro em empreendimentos rentáveis e de baixo risco.

 

Sendo assim, o presidente interino, Michel Temer, não pode desperdiçar as oportunidades que estão colocadas. Antes de mais nada, precisa resgatar a confiança dos agentes econômicos. E isso passa pelo retorno da previsibilidade, com regras claras e consistentes, sem surpresas no meio do caminho, e fortalecimento das agências reguladoras. Se seguir nessa direção, acredita o presidente da CCR, o peemedebista não só incentivará um forte fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil — fala-se em algo entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões —, como estimulará os bancos a reabrirem as linhas de crédito.

 

“Vivemos hoje, no sistema financeiro, o apagão da caneta. Ninguém quer assinar contratos, temendo ser responsabilizado por eventuais prejuízos”, diz Vale. Para ele, uma das formas de virar esse jogo é o governo apresentar projetos de boa qualidade. “Temos que admitir: hoje faltam empreendimentos qualificados, um problemão para um país tão carente de infraestrutura”, assinala. Mas o executivo acredita que, depois de tantos projetos malsucedidos, a administração Temer está preparada para não repetir os erros grosseiros vistos no governo de Dilma Rousseff, em que as obras tinham que ser interrompidas porque não foram previstas, no projeto original, questões básicas.

 

Ele cita como exemplo o caso de uma rodovia administrada pela CCR. A empresa se responsabilizou pela duplicação de um trecho de 800 quilômetros. Os primeiros 300km teriam que ser entregues em dois anos, mas o projeto preparado pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL) para viabilizar o empreendimento só ficou pronto depois de concluídas as obras. Em outros 300km, houve um fatiamento dos trechos, porque se descobriu uma série de entraves que os responsáveis pela licitação desconheciam por completo. O saldo foi aumento de custos e atraso na entrega.

 

Olho grande

 

Com R$ 1 bilhão em caixa e investimentos de R$ 5 bilhões em infraestrutura no país no ano passado, a CCR foi responsável por quase a metade da aplicação de recursos no setor. A empresa detém concessões de rodovias, aeroportos e mobilidade urbana (barcas e metrô). Vale diz que o apetite da companhia está longe de ser saciado. A CCR quer assumir o controle dos terminais de Fortaleza e Salvador, que serão privatizados, pois vê grande potencial de crescimento, por estarem mais próximos da Europa e dos Estados Unidos. “O viajante internacional é muito mais rentável”, frisa.

 

O executivo explica que não ter a Infraero como sócia nas próximas concessões torna a operação mais atrativa. “Não do ponto de vista operacional, porque a Infraero é eficiente e tem expertise. Aprendemos muito com ela. Do lado do investimento, contudo, a estatal não é uma boa sócia”, ressalta. Para se especializar na gestão de terminais, a CCR comprou 70% de uma empresa de serviços aeroportuários, a TAS, com sede em Phoenix, nos Estados Unidos. Também se tornou sócia de terminais no Equador, na Costa Rica e em Curaçao. No país, controla o aeroporto de Confins, em Belo Horizonte.

 

Brasília, 07h05min