POR SIMONE KAFRUNI
O Banco Central deu munição para o Palácio do Planalto sair do campo da fantasia e contar, finalmente, com dados concretos de melhora do ambiente econômico. Ao divulgar, ontem, o relatório trimestral de inflação, a autoridade monetária sinalizou que há espaço para um corte agressivo na taxa básica Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em outubro. Como as decisões do colegiado são tomadas olhando para as expectativas do custo de vida dos próximos meses, a curva de juros já mira 2018.
A inflação anual medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar 2016 em 7,3%, recuar para 4,4% em 2017, portanto abaixo do centro da meta de 4,5%, e chegar a 3,8% no fim de 2018. Isso no cenário de referência do BC, que considera a taxa básica em 14,25% ao ano e câmbio de R$ 3,30 ao longo do período.
Os dados apontam para o arrefecimento da carestia e sacramentam, na opinião de Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, que o Copom reduzirá a Selic em 0,25 ponto percentual na reunião de outubro. “Essa redução será mais forte na medida em que o ajuste fiscal avançar no Congresso, sobretudo com aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do teto dos gastos”, diz.
O corte deve ser ainda mais agressivo, ressalta Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), para quem o Copom vai reduzir os juros em 0,50 ponto percentual na próxima reunião e em mais 0,50 no último encontro do ano. “A expectativa de inflação está caindo. O BC projeta estar até abaixo do centro da meta. Portanto, há como tirar 1 ponto percentual da Selic e fechar 2016 com juros básicos em 13,25%”, assinala.
Com a medida, apostam os especialistas, a economia voltará a crescer porque as taxas de juros ativas, praticadas pelos bancos em empréstimos e linhas de financiamento, tendem a cair. “Hoje, o setor privado está com uma restrição brutal de crédito e começa a não ter como pagar suas dívidas. A queda de juros trará uma perspectiva melhor, de mais confiança”, afirma Freitas.
Além dos dados do BC, o governo Michel Temer também conta com a ajuda do cenário externo. O Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) decidiu não aumentar juros em setembro e sinaliza deixar para o ano que vem qualquer mudança na política monetária, o que segura o dólar nos patamares atuais. Com menor risco externo, menos pressão do câmbio na carestia.
Até o debate entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos Hillary Clinton e Donald Trump ajudou o Palácio do Planalto a deixar de lado a torcida para se fundamentar na realidade, garante Eduardo Velho. “Houve um consenso, ao menos da mídia internacional, de que Hillary foi melhor do que Trump. Com ela eleita, a volatilidade do dólar no mercado mundial será menor”, explica.
Mesmo para os mais pessimistas, os dados do relatório de inflação do BC indicam que a Selic não vai fechar 2016 nos atuais 14,25% ao ano. No entender de Márcio Milan, analista da Tendências Consultoria, o espaço para redução de juros ainda é difícil. “Consideramos a possibilidade apenas no fim do ano. Isso porque o BC ainda olha com cautela a inflação dos serviços”, ressalta. Sinais positivos reais começam a aparecer, mas o governo não pode relaxar: a retomada só virá depois do ajuste fiscal.
Brasília, 06h30min