Apesar de esperada, a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para o envio à Câmara dos Deputados da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer, o governo não escondeu seu desconforto. Além de dividir o noticiário com as boas notícias que vêm da economia, a acusação feita ainda na gestão de Rodrigo Janot tem tudo para atrapalhar os planos da equipe econômica de aprovar, até outubro, a reforma da Previdência.
A expectativa no entorno de Temer é de que a Câmara enterre mais essa denúncia, talvez até com facilidade maior do que a primeira. O problema é canalizar todas as energias para esse processo desgastante, que acaba contaminando os humores dos agentes econômicos. A ordem do Planalto é para que os aliados de primeira hora acelerem o processo, sempre com o discurso de desqualificar a denúncia e os denunciantes, os irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS.
A investidores estrangeiros, em Nova York, Temer se antecipou à decisão do Supremo. Disse que, independentemente das turbulências na área política, o país voltou a crescer, com juros em queda e inflação sob controle. Mesmo ciente de que a reforma da Previdência ficou mais distante, assegurou que vai insistir no seu projeto, porque o sistema atual de aposentadoria é insustentável, está tragando a maior parte dos recursos que entram nos cofres do Tesouro Nacional por meio de impostos.
Temer sabe que uma boa retórica soa bem aos ouvidos dos investidores, mas, no Congresso, o importante é mostrar força. E, neste momento, não há energia suficiente para, ao mesmo tempo, enterrar a denúncia feita por Janot e reunir os votos suficientes para a reforma. Um dos ministros mais próximos do presidente garante que o governo não jogará a toalha em relação à Previdência. Reconhece, contudo, que o desejo se distanciou muito da realidade.
Complacência
Em Nova York, mais do que a segunda denúncia contra Temer, foi a eleição presidencial do próximo ano o ponto principal da conversa entre os investidores. Todos reconhecem os esforços do atual governo para aprovar reformas, porém, se perguntam o que será do Brasil a partir de 2019. É inconcebível, na cabeça dos donos do dinheiro, que a maior parte do eleitorado esteja dividida entre dois extremos. À esquerda, com o ex-presidente Lula. À direita, com o deputado Jair Bolsonaro.
Nenhum dos dois, na avaliação dos investidores, se encaixa no projeto que o país precisa para retomar o crescimento sustentado, com aumento do emprego e da renda sem políticas populistas, de efeitos passageiros. As pesquisas de intenção de votos apontam um descontentamento enorme dos brasileiros com os políticos tradicionais. Portanto, dizem os investidores, é importante que se construa, rapidamente, uma opção mais palatável, que evite novas tensões na economia.
Por enquanto, dizem banqueiros e gestores de grandes fortunas, há uma complacência com o Brasil. A despeito da crise sem fim na política, a atividade está retomando o fôlego, com inflação abaixo do centro da meta, de 4,5%, perseguida pelo Banco Central. O dado mais recente a confirmar a lenta, mas gradual recuperação da economia foi a arrecadação de tributos em agosto, que saltou 10,8%, totalizando R$ 104 bilhões. As receitas que mais cresceram estão ligadas à produção.
Não se pode dimensionar até quando vai durar a boa vontade com o país. Por isso, destacam os investidores, é de extrema importância que o Congresso não crie grandes obstáculos a medidas que mantenham a economia nos eixos. Muitos já não contam com a aprovação da reforma da Previdência na administração de Temer. Mas é vital que todas as propostas vinculadas ao ajuste fiscal, como o adiamento do reajuste dos servidores de 2018 para 2019, sejam avalizadas. O país deixou para trás a pior recessão da história, mas ainda é um doente que precisa de tratamento rigoroso.
Brasília, 06h57min