Coluna no Correio: A força dos lobbies

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Já foi muito, mas muito maior a empolgação de empresários e investidores com o governo de Michel Temer. A euforia que tomou conta de todos com o afastamento de Dilma Rousseff do poder e a promessa do sucessor de tocar uma política econômica responsável, sobretudo na área fiscal, deu lugar à apreensão e a uma certa decepção. Há o temor de que ele resvale para o mesmo caminho trilhado pela petista e que todos conhecem muito bem: recessão brutal, inflação alta e desemprego em disparada.

A mudança de humor se baseia no apoio de Temer ao pesado reajuste concedido aos servidores públicos, que custará pelo menos R$ 58 bilhões aos cofres federais em quatro anos, se todos os projetos prevendo aumentos ao funcionalismo forem aprovados pelo Congresso — a fatura até agora está em R$ 53 bilhões. O presidente interino alega que a correção dos salários estava prevista no Orçamento de 2016 e que a decisão do Legislativo pacifica as relações com um grupo muito importante. É uma meia verdade.

O que está previsto no Orçamento deste ano é a menor parcela do reajuste, que vai de agosto a dezembro, de R$ 7 bilhões. A maior parte da fatura recairá sobre o governo nos dois anos seguintes, R$ 19,4 bilhões e R$ 26,5 bilhões. Ou seja, os impactos reais do aumento ao funcionalismo ainda não estão precificados nas contas da União, uma vez que os Orçamentos de 2017 e de 2018 não foram feitos ainda. Certamente, quando as propostas forem encaminhadas ao Congresso, essas despesas extras contribuirão para manter as contas públicas no vermelho.

Recriação da CPMF

Para Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, é inadmissível que o governo provisório, que assumiu prometendo um forte ajuste fiscal, ceda a grupos de pressão e transfira uma fatura tão pesada para a maior parte da sociedade, a começar pela proposta de recriação da CPMF sob a justificativa de que o imposto será provisório, enquanto as contas públicas são arrumadas. “Estamos vivendo o maior desemprego da história, com 11,4 milhões de desocupados, e aqueles que ainda se mantêm no mercado de trabalho veem a renda cair. É inaceitável que um grupo que tem estabilidade no emprego, que tem voz em Brasília, transfira a conta para o restante da sociedade”, afirma.

Mantido esse tipo de comportamento, Lisboa acredita que o governo Temer pode provocar uma crise ainda mais grave, pois a retomada da confiança dos agentes econômicos está longe de ser uma realidade. “Não há mais como atender a grupos de interesse. É preciso pensar no país como um todo”, reforça. Para ele, a sociedade já pagou caro demais por políticas direcionadas, que não trouxeram nenhum resultado prático para a economia ou para a melhoria da qualidade dos serviços públicos.

O quadro se agrava, na visão de Lisboa, porque tudo está sendo tratado como se fosse a coisa mais natural do mundo. “Não é”, enfatiza. No entender dele, o momento exige a redução do tamanho do governo e não o seu aumento. “Não há como não se revoltar quando se vê a manutenção de privilégios para poucos”, assinala.

Além dos reajustes de salários, o Congresso aprovou a criação de mais de 14 mil cargos para o setor público. O Ministério do Planejamento justifica que também essas vagas estavam previstas, mas que nenhuma delas será preenchida neste ano nem em 2017. Então, por que aprová-las agora? Seria melhor discutir o assunto com a sociedade e, no tempo ideal, propô-las, se comprovada a real necessidade.

Cota de sacrifício

Temer, ao avalizar o reajuste dos servidores — a conta vai aumentar, pois várias carreiras ainda não tiveram os projetos de reajuste votados pelo Congresso — e a ampliação de vagas em vários órgãos públicos, está mostrando um sinal equivocado à sociedade, que está disposta a dar sua cota de sacrifício, mas quer um governo firme, comprometido com o ajuste fiscal. Não uma administração que brinque com fogo. A presidente afastada, Dilma Rousseff, se especializou em estripulias, manobras, pedaladas nas contas públicas. Foi golpeada por um processo de impeachment e entrou para a história como uma das piores presidentes do Brasil — senão, a pior.

A previsão é de que o rombo nas contas públicas deste ano chegue a R$ 170,5 bilhões. Não é um deficit trivial, principalmente se levarmos em conta que 2016 será o terceiro ano seguido de contas no vermelho. Dados do próprio governo mostram que, numa gestão responsável, com enorme responsabilidade sobre os gastos, o país só voltará a ter superavit primário (economia para pagar juros da dívida) daqui a oito anos. Essas projeções não contemplam irresponsabilidade como a farra de reajustes ao funcionalismo.

Alguns economistas ainda acreditam ser possível virar o jogo e resgatar a confiança dos agentes produtivos. Mas admitem que, na ânsia de antecipar a votação do impeachment no Senado e de liquidar a fatura até julho, Temer pode abrir todas as portas e ceder a todos os grupos de pressão. Nesse quadro nada abonador, ele corre o risco de meter os pés pelas mãos. Não há mais tolerância da sociedade, que sofre com desemprego, inflação alta e recessão, com governos comprometidos com grupos específicos em detrimento da maioria.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes