CIRANDA FINANCEIRA

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As altas taxas de juros estão fazendo estragos no orçamento das famílias — 46,3% da renda mensal estão comprometidos com dívidas —, mas sendo motivo de comemoração por um seleto grupo de bancos e empresas. Com dinheiro de sobra no caixa, esse grupo está aplicando em títulos públicos que o Banco Central usa para retirar o excesso de recursos em circulação na economia. São operações de curtíssimo prazo, boa parte de apenas um dia.

A quantia que está movimentando esse mercado operado pelo BC chegava, no fim de abril, a R$ 833,3 bilhões, o equivalente a 26,3% do total da dívida pública do governo federal. Em tempos de normalidade, o dinheiro deveria estar sendo usado para incrementar a economia. Os bancos, emprestando, e as empresas bancando os investimentos que o país tanto precisa para voltar a crescer.

Como ressalta o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor da Dívida Pública do BC, não há por que as empresas e os bancos se arriscarem, se o melhor negócio hoje é operar com a autoridade monetária. O Banco Central paga juros expressivos, garante liquidez, uma vez que os títulos podem ser devolvidos rapidamente, e o risco de perdas é praticamente nulo.

“Estamos falando de juros reais (descontada a inflação), entre 6% e 8% ao ano. Com esse rendimento, não há como se falar em aumento dos investimentos”, diz Thadeu. “Por consequência, a produção não cresce, e o consumo, encolhe. O resultado disso será um longo processo de recessão, no qual já estamos mergulhados”, acrescenta.

Na avaliação do ex-diretor do BC, não há perspectiva de mudança tão cedo, uma vez que a inflação continuará elevada por um bom período e o Comitê de Política Monetária (Copom) já sinalizou que manterá a mão pesada sobre a taxa básica (Selic), que está em 13,75% ao ano e pode subir até 14,5%, como prevê boa parte dos analistas privados. “Não por acaso, as perspectivas para o Produto Interno Bruto (PIB) só pioram”, ressalta.

Pelos cálculos de Thadeu, os juros reais de hoje só se assemelham aos observados em 2000, quando o Brasil ainda tentava reconstruir a credibilidade, depois de ter sido obrigado a abrir mão do sistema de câmbio fixo e adotar o regime de taxas flutuantes. Os juros reais nas alturas eram uma forma de conter a fuga de recursos do país.

“Infelizmente, o que vemos hoje é o Banco Central recorrendo a juros reais de quase 8% ao ano para recuperar a credibilidade que perdeu ao longo do tempo. O BC foi expansionista demais quando o país crescia e, agora, está sendo contracionista em excesso com a economia em recessão”, diz. A fatura disso será composta por queda no PIB e desemprego elevado.

O BC, com seu economês pomposo, chama essas operações de curtíssimo prazo de compromissadas. Nos tempos de hiperinflação, eram denominadas overnight ou ciranda financeira. Independentemente no nome, o que importa, na visão de Thadeu, é que elas não combinam com o plano do governo de lançar um ambicioso programa de infraestrutura como forma de reativar a economia.

O pacote de obras ainda é uma promessa, com pouquíssimas regras definidas. Quase a metade dos projetos anunciados se mostra inviável. Quer dizer: com tanta incerteza, ninguém abrirá mão de ganhar, sem nenhum risco, quase 8% acima da inflação por ano.

Foi esse país das distorções que Dilma Rousseff criou nos últimos quatro anos. O pior é imaginar que ela não conseguirá mudar esse quadro no segundo mandato que lhe foi dado pelas urnas. O país campeão dos juros altos vai prevalecer em relação ao país do crescimento sustentado, do emprego e da renda. Pobre Brasil.

GDF sofre derrota

» O Governo do Distrito Federal, que enfrenta sérias dificuldades financeiras, sofreu um baque na Justiça. Servidores das áreas de gestão, finanças e contabilidade venceram uma longa batalha na Justiça, que poderá custar até R$ 2,9 bilhões aos cofres da capital da República.

Confisco de Collor

» Em 1999, os servidores entraram com uma ação nos tribunais para cobrar o que chamavam de confisco nos salários cometido pelo governo Collor de Mello, em 1990. Alegavam que deixaram de ter uma correção de 84,32% nos rendimentos. O processo se arrastou, devido ao excesso de protelações por parte do GDF.

Ganho de R$ 3,2 mi

» O maior sinal de que o Governo do DF seria derrotado veio do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu as perdas provocadas pelo Plano Collor. Com isso, o juiz responsável pelo caso optou por dar ganho de causa aos servidores. São quase 900 pessoas, que, mantido o valor atual, receberão, em média, R$ 3,2 milhões.

Briga será pesada

» A Procuradoria do Distrito Federal reconhece a derrota do GDF, mas contesta os valores cobrados pelo funcionalismo. A expectativa é de que o atual juiz do caso, que determinou o pagamento, sente com as partes envolvidas e defina um valor menor a ser pago. Os servidores prometem dificultar as negociações.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes