Cigarras aprendem a comer com os russos

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Por Luiz Recena Grassi

Dinheiro pode falar alto, quem grita é a fome. São gritos lancinantes, cruéis, que podem resolver situações de emergência. Finalmente, o mundo recebeu um “sopro de alívio”, disse o português Antonio Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e artífice-adjunto do acordo que vai permitir a retomada das exportações de cereais pela Rússia e pela Ucrânia, há cinco meses em guerra. É um gesto. Nem maior nem menor. Apenas o indicador de uma trilha para novos acordos em outros campos. É um feito, poderá desbloquear estimadas 25 milhões de toneladas de trigo, milho e outros grãos.

Ganha a Turquia ao apadrinhar à exaustão o entendimento; ganham os dois países, que obterão divisas; ganha a África com alimentos; e ganha a Europa, com um pouco desse trigo para fazer seu pão. Verão ou não, o pão está mais caro. A crise é maior que a guerra, e se manifesta de várias maneiras, a começar pelas sucessivas decisões de boicote à economia russa, a mostrar um espírito revanchista conservador ainda vivo. Espírito a dominar a União Europeia. Obediente aos EUA, a UE se desdobra pela Ucrânia. A obediência se completa com as forças da OTAN, eterna pretendente a uma hegemonia armada, desde os tempos da Guerra Fria.

Cercaram a Rússia e não negociaram. Provocaram Putin. Deram-lhe faca e queijo para atacar os ucranianos, que vivem a pedir armas e dinheiro aos EUA e Europa. Depois das finanças e das armas veio o boicote ao gás, não tão fácil de fazer com a Alemanha afim de continuar o que existia, reduzindo sem fechar as torneiras. Com 30% de antes, daria para enfrentar o inverno. Só que alemães vão pagar mais caro em tudo a partir de setembro. O verão acaba, a cigarra tem de aprender a achar comida.

País sem dinheiro vai sofrer mais. Ficou claro com a reação inicial de Portugal, Espanha e Polônia, de não querer reduzir em  15% o consumo de gás. Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, quer fazer carreira com a guerra e pediu “cabeça fria”. Quer bater, conta com os mais pobres. Não será fácil. São 19 países no euro; aderiram ao movimento da taxa do Banco Central Europeu (BCE) e ganharam um protetor para futuros ataques a economias.

Semana tem fim com duas bombinhas: Lagarde quer voltar com inflação de dois por cento (atualmente quase nove); e Zelenski, EUA e CNN dizem que Putim bombardeou Odessa. Seria ruim. Erdogan estima duas semanas para tudo funcionar com novas rotinas. Se for pedir música para Lagarde e demais, vá de Nervos de Aço. Eles não têm sangue nas veias e nem tem coração.

O Correio viu, pois em Moscou estava. Na extinta URSS, organização e resistência dentro do possível. A CIA fez correr rios de tinta e imagem para informar a penúria produzida pelos comunistas. Filas eram prova da falta de caixa. Certo? Errado! O dinheiro estava estocado em casa ou na poupança. Filas eram grandes porque havia dinheiro e faltava produto. O Big Mac apareceu, filas dobraram a esquina e o tempo médio de espera passava dos 45 minutos.

Madame e eu fizemos rodízio para resistir ao frio de janeiro. À frente, um grupo de ex-combatentes. Conversei, “o que fazem aqui? Não são veteranos bolcheviques? Sim, só queremos provar o melhor do inimigo”. Sanduíche eles também tinham, de pão preto, pepino e generosa mortadela. Tempos de lua de mel: Moscou e EUA, Jane Fonda e Ted Turner da CNN. Sinal de graça um mês. Boatos só a favor deles. As luas de mel acabam. Ficam pão preto, pepino, mortadela. E a secular capacidade russa para resistir.

Vicente Nunes