O diretor da Macroplan, Cláudio Porto, observa que a China já é o maior importador de produtos brasileiros, com cerca de 17%. “Na sua relação com o mundo, a China tem uma visão estratégica sofisticada e de longo prazo”, diz. Isso explicaria grande parte do interesse deles pelo Brasil. “Podemos ser grandes fornecedores de commodities agrícolas e minerais e de alguns produtos intermediários ou mesmo industrializados, e somos um grande mercado para manufaturados chineses, além de demandantes de capital físico (infraestrutura) e financeiro”, contextualiza.
Por esse ponto de vista, avalia Porto, o grande interesse da China em investir no Brasil tem como motivação principal a conquista de posições a longo prazo e também um certo oportunismo. “O Brasil está muito barato e oferece oportunidades valiosas, especialmente no setor elétrico”, assinala. Além disso, complementa, a China tem cacife para exercer opções de investimento de longo prazo no Brasil e correr o risco-Brasil. “Eles têm muito capital, e a um custo baixíssimo. Ou seja, nossas oportunidades de investimento são atrativas para os chineses, mesmo com taxas de retorno mais demoradas”, afirma.
Como o mercado consumidor chinês é gigante e cada vez mais demandante, garantir suprimentos a longo prazo é um bom negócio para a China. “Todas as evidências indicam que os chineses serão players com presença crescente nos investimentos e nos negócios no Brasil”, resume. O risco de dependência, explica Porto, está nas mãos do Brasil. “Se o país estruturar uma boa regulação, reforçar sua capacidade diplomática e montar uma boa estratégia de abertura e relação comercial e de negócios com o mundo, os benefícios que teremos com a presença de capital estrangeiro aqui serão muito maiores do que os riscos.”
Soberania
Para Cláudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria, a China tem uma taxa de poupança fora da curva. “Com poupança de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), é normal que parte escape para fora do país. A Coreia do Sul tem 35%, e já é bom. No Brasil, temos 15%”, compara. O governo chinês tem uma política de estimular, mas controlar os investimentos fora da China, tanto que, no país, o grosso do aporte não é em projetos greenfield (começando do zero), nos quais há risco ambiental. É em fusões e aquisições”, ressalta.
O especialista explica que o investimento estrangeiro melhor é aquele que vem constituir um novo ativo. “Mas, quando compram os já existentes, os chineses tendem a fazer um esforço de modernização. Isso é positivo”, avalia. Frischtak diz que não há risco de desnacionalização. “Um país com 15% do PIB de taxa de poupança não pode prescindir de investimentos estrangeiros. Ainda mais quando as estatais são capturadas por interesses políticos. Quem ameaça nossa soberania somos nós mesmos”, sentencia.
Fundo para infraestrutura
A criação de um fundo China-Brasil para investimento em infraestrutura foi literalmente um negócio da China. Já constituído, o fundo tem US$ 20 bilhões em recursos, sendo que o banco estatal chinês entra com US$ 15 bilhões e o Brasil, com US$ 5 bilhões, na proporção de três para um. O poder decisório, no entanto, é igual para as duas nações. “Um bom negócio, não?”, indaga o presidente da Câmara Brasil-China, Charles Tang.
O secretário adjunto de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Renato Baumann, afirma que já recebeu 21 consultas para uso de recursos do fundo. Três projetos já foram formalizados. “Não podemos divulgar, só depois da aprovação”, diz. Baumann explica que os empresários com interesse em investir precisam se credenciar, por meio de um formulário de carta consulta, com os dados essenciais, no site do ministério. “Isso é analisado em nível técnico pelo governo brasileiro e pelo governo chinês. A decisão final fica a cargo de um comitê, formado por autoridades dos dois países.”
Além de um instrumento de financiamento, o fundo deve intensificar as relações entre as duas nações, espera Baumann. “A expectativa é muito favorável. Há grande interesse. Isso deve ser um impulso importante para entrada de recursos chineses no país”, acrescenta.
Interesse em energia
Os investimentos mais recentes dos chineses no Brasil apontam para um interesse maior no setor de energia. No ano passado, do total de mais de US$ 12 bilhões anunciados, US$ 6,6 bilhões foram no setor elétrico, aponta levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Este ano, as compras da CPFL Energia e da Usina de São Simão, depois de uma tentativa de abocanhar parcela da Hidrelétrica de Santo Antônio, provam o apetite energético. Isso anima o governo, que vai leiloar 11 linhas de transmissão em dezembro, privatizar a Eletrobras, e tem duas rodadas de partilha de blocos do pré-sal marcadas para 27 de outubro.
Na opinião do presidente da InterB Consultoria, Cláudio Frischtak, os chineses são muito conservadores, estão cada dia mais sofisticados e sabem fazer contas muito bem. “Eles entraram no campo de Libra, que é um ativo de risco, porém, de classe mundial. Para a segunda e terceira rodadas do pré-sal, certamente estarão presentes e vão investir”, aposta.
Já na privatização da Eletrobras, Frischtak tem dúvidas. “Pode até ser que algum fundo de pensão chinês queira entrar na Eletrobras, mas não vejo tanto interesse, porque eles querem controle, ou compartilhar o controle de gestão. A modelagem do governo não vai nessa direção”, comenta. O governo promete diluir sua participação com a capitalização da empresa por meio de uma oferta de ações, com a pulverização dos papéis e golden share (que garante poder de veto a quem a detém) da União.
Fernando Marcondes, do L.O. Baptista, concorda. “Na Eletrobras, se o caminho for da pulverização, afastará os investidores da China”, diz. Já no petróleo, Marcondes avalia que empresários chineses participaram da última rodada como observadores, com o objetivo de entrarem forte nas próximas, que envolvem o pré-sal.
Áreas estratégicas
Cláudio Porto, diretor da Macroplan, alerta para o interesse dos chineses em ativos que geram receita imediata. “Por exemplo, a Usina de São Simão, que já está em operação. Ao contrário de um bloco de petróleo do pré-sal, que exigirá alguns anos de desenvolvimento”, assinala. Porto lista setores atrativos para os chineses: “Agronegócio, para garantir suprimentos de longo prazo; energia, especialmente a elétrica, mas eles tenderão a diversificar; infraestrutura de transportes de alta capacidade, como rodovias, aeroportos, portos e ferrovias (essa última, se melhorar a modelagem de operação); e negócios de ocasião.”
No entender de Miguel Neto, sócio do escritório Miguel Neto Advogados, os empresários chineses também demonstram interesse pelo setor aéreo, com participação na Azul e no Galeão. “Eles vão olhar com apetite a nova rodada de concessão de aeroportos. Não estão mais investindo na economia velha. Preferem ser supridores de produtos para o Brasil, e apostar em áreas estratégicas”, projeta.
Brasília, 11h21min