CHEGA DE PROMESSAS

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O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deve preparar os ouvidos, pois os economistas que ele convidou para uma conversa hoje vão traçar um quadro desanimador para o país e, sobretudo, reforçar a desconfiança sobre a real capacidade do governo de cumprir, neste ano, a meta de superavit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Como contrapartida, os convidados esperam que o anfitrião confirme a intenção do governo de definir uma meta menor de inflação para 2017, que deverá ser anunciada pouco depois do encontro pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Estão na mesa do governo — e dependem do aval da presidente Dilma Rousseff — duas propostas. Na primeira, o governo reduziria de 4,5% para 4,25% o objetivo a ser perseguido pelo Banco Central. Na segunda, a opção é pela diminuição do intervalo da banda da meta, hoje de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. A defesa é para que essa oscilação seja de 1,5 ponto. O mercado vê nessa decisão, independentemente da proposta que prevalecerá, um forte compromisso do Palácio do Planalto de derrubar a carestia que, pelas contas do BC, fechará este ano em 9%, o dobro do definido pelo CMN.

O discurso dos economistas será claro: a recessão se aprofundou e, apesar de o governo insistir que o ritmo da atividade vai se recuperar ainda no fim deste ano, os números indicam que, na melhor das hipóteses, os primeiros respiros só aparecerão no fim de 2016. O maior problema da economia hoje é a falta de confiança. Nem os empresários nem os consumidores veem luz no fim do túnel. Acreditam que os erros cometidos por Dilma nos últimos quatro anos não serão revertidos na velocidade necessária para botar o país de pé.

Na visão dos especialistas, o governo precisa fazer mais, em especial, melhorar a comunicação e as relações com o Congresso. A percepção que se tem hoje é de que Dilma está de joelhos, e o governo, acuado. Muitos economistas acusam o Planalto de improvisos, sinalizando para os investidores que o país está sem comando. Nada do que a presidente diz é levado a sério. Os donos do dinheiro preferem se apegar às promessas de Levy como forma de verem um caminho além do atoleiro no qual todos estão metidos.

O pessimismo é tamanho entre os economistas, que há quem fale em queda de 3% a 4% do PIB neste ano se as empreiteiras pegas surrupiando dinheiro da Petrobras quebrarem. Em relatos ouvidos pelos analistas que acompanham o dia a dia dessas empresas, a situação é dramática: as demissões se acentuaram nas últimas semanas, obras estão paradas e o fluxo de caixa está negativo. O risco de quebradeira é real. Por isso, o Planalto tem defendido, com veemência, que as atividades das construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato sejam desvinculadas dos erros cometidos por seus donos e diretores.

Os economistas também pretendem deixar claro que não veem problemas se o governo assumir, publicamente, a redução da meta de superavit primário, diante do tombo da atividade, que fez a arrecadação minguar. Mas a meta a ser definida, de 0,6% ou 0,8% do PIB, deve ser seguida à risca, sem manobras. Eles ressaltam, porém, que, nos próximos anos, a Fazenda deve se esforçar para fazer a maior economia possível para pagamento de juros, de forma que a relação entre a dívida pública e o PIB caia e o risco de rebaixamento do país seja afastado de vez. As questões fiscais não podem mais ser motivos de tantos sobressaltos.

Estômago forte

Do lado de Levy, o objetivo da conversa com os economistas é traçar um quadro menos negativo da economia, mostrar que o governo está fazendo tudo o que está em seu alcance para resgatar a confiança de empresários, que vêm travando os investimentos, e de consumidores. Na visão do ministro, o ajuste fiscal está bem encaminhado, ainda que algumas medidas, como a redução das desonerações sobre a folha de salários das empresas, estejam dependentes da boa vontade do Congresso. O governo está efetivamente cortando gastos, mas é preciso que novas fontes de receita ajudem a engordar os cofres do Tesouro Nacional.

Para o ministro, está na hora de o mercado dar um voto de confiança ao governo, inclusive ao BC, que tem feito um esforço hercúleo para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2016. Levy acredita que os investidores vão se surpreender a partir do segundo trimestre do próximo ano, quando o país voltará a conviver com o custo de vida girando entre 0,3% e 0,4% ao mês, números compatíveis com o objetivo definido pelo CMN.

Segundo interlocutores do ministro, no encontro de hoje, ele estará muito mais propenso a ouvir do que a falar. Acredita que esse contato direto com os analistas é importante para minimizar ruídos e criar um quadro mais positivo para o país. Resta saber se terá estômago para tantos números ruins, inclusive do desemprego, que está claramente flertando com os 10%.

“A expectativa em torno do encontro com Levy é grande”, diz um dos economistas convidados pelo ministro. “Mas que a conversa seja proveitosa, sem promessas que não podem ser cumpridas. O mercado quer fatos concretos. Não há espaço para votos de confiança a um governo que cometeu tantos erros e levou o país para o buraco”, ressalta.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes