POR MONICA PERES*
Nos últimos tempos, temos assistido a inúmeras demonstrações de descaso com a política ambiental, com o marco legal e também com os acordos internacionais formalmente ratificados, trazendo graves consequências para a biodiversidade, economia e qualidade de vida dos brasileiros.
Um exemplo foi a recente tentativa do Senado de anular as três listas nacionais de fauna e flora ameaçadas de extinção, por meio de projetos de decretos legislativos. Essa tentativa, se bem sucedida, ainda pode deixar mais de 3.200 espécies ameaçadas sem qualquer proteção no país. Felizmente, e graças à rápida mobilização da sociedade brasileira, essa iniciativa foi suspensa pelo próprio senador autor da proposta.
Mas isso está longe de representar uma vitória definitiva, pois ainda existem, além desses, outros projetos com o mesmo objetivo na Câmara dos Deputados. E pior, há quase um ano, desde junho de 2015, a lista nacional que protege 475 espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçados de extinção (Portaria MMA no. 445 de 2014) encontra-se suspensa por uma liminar, desconsiderando os princípios constitucionais, as consequências para o meio ambiente e a vontade da sociedade brasileira. Desse modo, centenas de espécies, como tubarão-baleia, várias arraias, cavalos-marinhos, tubarões-martelo, chernes e garoupas, continuam a ter suas populações diminuídas, sem qualquer proteção.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, diz que todos os brasileiros têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que é dever de todos nós defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Esse mesmo artigo também determina que é responsabilidade do Poder Público proteger a fauna e a flora de práticas que provoquem a extinção das espécies. A lista de espécies ameaçadas é, portanto, uma importante ferramenta guarda-chuva para garantir esse objetivo e a sua elaboração é uma responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, coordenador da Política Nacional de Biodiversidade.
As listas de fauna silvestre ameaçada foram fruto de um trabalho criterioso de seis anos, envolvendo em torno de 1.500 especialistas e as melhores informações científicas disponíveis. As avaliações utilizaram a respeitada metodologia da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), que é adotada na maioria dos países e é mundialmente reconhecida como a mais abrangente e a única capaz de avaliar o estado de conservação de todas as espécies, desde fungos até animais superiores. Não há, portanto, quaisquer dúvidas sobre a robustez científica das listas.
Desse modo, a suspensão dos efeitos legais da lista, por liminar, desconsidera o trabalho de milhares de cientistas e coloca em risco a sobrevivência, a função ecológica e os serviços ambientais gratuitos de quase 500 espécies aquáticas.
Essas espécies tiveram suas populações drasticamente diminuídas, algumas, em mais de 90%, mas continuam sendo exploradas pela pesca, tendo seus ecossistemas destruídos e não sendo nem ao menos consideradas durante os licenciamentos ambientais de atividades potencialmente poluidoras. Sem esse marco legal guarda-chuva, os órgãos e instituições, públicas e privadas, e a sociedade brasileira não serão capazes de impedir o declínio dessas populações já tão diminuídas.
As consequências ecológicas, sociais, econômicas e culturais da suspensão da Portaria 445 podem ser irreversíveis e, para variar, é a sociedade que pagará por mais esse prejuízo.
(*) Monica Peres, 59, doutora em Oceonografia Biológica e diretora geral da Oceana no Brasil.
Brasília, 17h51min