CARTAS NA MESA

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As apostas sobre a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff deixar o poder aumentaram ontem. A nova prisão de José Dirceu, que teve a desfaçatez de continuar recebendo propina mesmo depois de ter sido preso por causa do mensalão, fez com que a corrupção na Petrobras, desvendada pela Operação Lava-Jato, entrasse com tudo no Palácio do Planalto. No mercado financeiro, muitos acreditam que Dilma não conseguirá se livrar do escândalo. O argumento de que ela é honesta e não roubou já não convence mais. Mesmo que não tenha amealhado fortuna, como boa parte dos petistas, a presidente, no mínimo, foi conivente, fechou os olhos para os malfeitos.

O clima de apreensão é grande, sobretudo na equipe econômica. Com a crise política se agigantando e a presidente em situação cada vez mais frágil, a tendência é de que a atividade afunde ainda mais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vem tentando reverter o pessimismo no gogó. Diz que chegou a hora de olhar para a frente, enxergar um horizonte mais tranquilo, pois “há promessa de vida” no futuro próximo. Em outros tempos, as palavras do ministro teriam um peso enorme. Mas ele já não tem a força de quando assumiu. Nos últimos meses, colecionou várias derrotas. Ficou menos influente em decisões cruciais para o país, como o ajuste fiscal, agora diluído ao longo de quatro anos, na melhor das hipóteses.

O governo já vinha se preparando para um agosto difícil. Não contava, porém, com a prisão de Dirceu, que joga a crise no colo da presidente e de Lula. Para assessores do Planalto, a situação está chegando ao limite. E pode explodir de vez no próximo dia 16, se a população realmente sair às ruas em protesto contra Dilma. Já falam em mais de 3 milhões pregando a renúncia ou o impeachment da presidente. É por essa razão que os investidores estão ariscos. Os que podem, começam a tirar dinheiro do país. Esse movimento de saída faz com que, a cada dia, o dólar registre novo recorde em 12 anos, um baque para a inflação, que está no topo da insatisfação popular contra o governo.

Isso comprova que o custo da corrupção na Petrobras se espalhou por toda a economia e será sentido por um bom tempo. Como lembra o economista-chefe da Itaim Asset, Ivo Chermont, o Banco Central deu todos os sinais de que o processo de aumento dos juros chegou ao fim. A taxa básica (Selic), de 14,25% ao ano, será mantida por um “período prolongado”.  O BC não contava, porém, com a nova arrancada da moeda norte-americana. “Não dá para o dólar subir 10% em um mês e não haver repasse para a inflação”, diz o especialista. “E, no quadro atual, cada número depois da vírgula faz diferença”, emenda. Pelos cálculos da autoridade monetária, a cada 10% de valorização da divisa dos Estados Unidos, há aumento de 0,5 ponto percentual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que deverá bater, nos 12 meses terminados em julho, em 9,56%. O dado oficial sairá na sexta-feira.

Na visão de Chermont, assim como Levy está tentando convencer os investidores de que, mesmo fazendo superavit primário de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, o governo mantém o compromisso com o ajuste fiscal, o BC terá que gastar muita saliva para explicar que não precisará mais elevar os juros, apesar da arrancada do dólar. Nos dois casos, as chances de sucesso são muito pequenas. O economista entende que a comunicação da Fazenda e do BC será atropelada pela crise política, que tende a difundir a desconfiança. Nesse clima, não há como pensar em recuperação da atividade.

Sobrará o pior

Nem mesmo a estratégia de Dilma de se aproximar do presidente do Senado, Renan Calheiros como tábua de salvação no Congresso diminui a apreensão dos investidores. Para ele, bastará a insatisfação popular tomar as ruas para que qualquer gesto de boa vontade do parlamentar ir para o espaço. Renan também está fragilizado pela Lava-Jato, mas é visto pelo Planalto como um contraponto importante ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cujo reinado está tão ameaçado quanto o de Dilma. “Muitos investidores já se perguntam quem cairá primeiro”, afirma um executivo de um banco estrangeiro.

Diante de todo esse impasse político e da derrocada da economia, a população terá que se contentar com o pior. A inflação ficará alta por mais tempo, solapando a renda das famílias. Empresas fecharão as portas e o desemprego saltará rapidamente para os 10%. É difícil acreditar que, num contexto como esse, um governo, mesmo eleito democraticamente, tenha condições de se sustentar. Os próximos dias e semanas serão de guerra. Resta torcer para que o Brasil saia melhor desse processo de depuração.

Pais do desastre

» Tem gente no governo que passou a amaldiçoar Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, e Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro Nacional. Antes, heróis dos petistas, agora são chamados de pais do desastre que acabou com o governo Dilma.

Corte geral

» Há assessores de Joaquim Levy que ainda não se conformam com a redução da meta fiscal e o descrédito que recaiu sobre o Ministério da Fazenda. Dizem que a presidente Dilma deveria ter optado por um corte maior de gastos, mesmo que a máquina parasse por completo por um período.

Farra com dinheiro público

» Há um programa do governo que os assessores de Levy não engolem: o Ciência sem Fronteiras. Alegam que a ideia é boa, mas o que se está vendo é o governo financiando longos períodos de férias para jovens da classe média, que pouco querem saber de estudos.

Brasília, 10h10min

Vicente Nunes