CARTA DE TOMBINI

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O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terá um trabalho enorme para explicar à Nação por que falhou neste ano na missão que lhe foi dada: entregar a inflação na meta. Pelas regras em vigor, a carta endereçada ao ministro da Fazenda deve conter três pontos básicos: 1) descrição detalhada das causas do descumprimento; 2) providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos; 3) prazo esperado para que as providências tomadas surtam efeito. Certamente, o governo ocupará a maior parte da correspondência. O BC está pagando pelos erros da política econômica dos últimos anos e, claro, da própria omissão em relação ao controle do custo de vida.

Mas vamos ao primeiro ponto, as causas do descumprimento da meta. A partir de 2012, a presidente Dilma Rousseff decidiu pôr em prática a tal nova matriz econômica. Certa de que políticas intervencionistas, semelhantes às que vigoraram no regime militar, dariam um novo gás à atividade, ela decidiu represar reajustes de preços administrados, mais especificamente as tarifas de energia elétrica e o valor dos combustíveis. Ao mesmo tempo, pisou no acelerador dos gastos públicos, cuja contabilização passou a ser maquiada para mostrar uma saúde que as contas do Tesouro Nacional não tinham.

Apesar de todos os alertas de que a nova matriz estava criando distorções na economia e alimentando uma onda de incertezas, o governo preferiu atacar os críticos ampliando o intervencionismo. Nem mesmo o Banco Central escapou das garras de Dilma. A instituição foi obrigada a cortar a taxa básica de juros (Selic) para que a presidente realizasse o sonho de gritar ao mundo que o Brasil havia se livrado de uma anomalia, e, finalmente, passaria a ter um custo civilizado para o dinheiro. A meta da petista era de juros reais de 2% ao ano. Para entregar o troféu que Dilma tanto queria, a Selic caiu para 7,25% ao ano, o menor nível da história, mesmo com a inflação flertando com o teto da meta, de 6,5%.

Não satisfeita, a presidente editou uma medida provisória, de número 579, que reduziu as tarifas de energia ao longo de 2013. A promessa — na verdade, uma grande propaganda eleitoral — era dar um alívio ao orçamento das famílias e reduzir o custo de produção das empresas. O tom ufanista era tamanho que não faltou sequer o discurso em rede nacional de rádio e televisão. Naquele período, Dilma já estava concentrada na reeleição, e aprofundou o intervencionismo, apesar de o país estar enfrentando grave crise hídrica e de as concessionárias alegarem que a redução média de 20% na conta de luz era inviável.

A petista acelerou o passo. Impôs um pesado prejuízo à Petrobras, ao manter os preços dos combustíveis congelados, passou a manipular o câmbio e começou a fazer as pedaladas fiscais, ao usar os bancos públicos para honrar compromissos que eram do governo. Já em frangalhos, as contas públicas saíram dos superavits primários que evitavam a explosão da dívida pública para deficits encobertos por manobras. A insistência nessas estripulias detonou um pessimismo tão grande na economia que o país mergulhou na recessão. Até a disputa por mais quatro anos no Palácio do Planalto, Dilma dizia que todas as suas maluquices eram invenções dos oposicionistas que queriam apeá-la do poder.

Salvador da pátria

Com a reeleição de Dilma garantida à base de muitas mentiras nas propagandas eleitorais, o Banco Central foi o primeiro a tomar providências para tentar arrumar a casa. Três dias depois de as urnas serem abertas, a taxa Selic subiu e continuou em alta até julho último, atingindo 14,25% ao ano. A justificativa era de que a inflação estava muito além do desejável. Logo depois, a presidente anunciou Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Posando de salvador da pátria, ele prometeu um forte e rápido ajuste fiscal para que logo o Brasil voltasse a crescer.

Um sentimento de euforia tomou conta dos agentes econômicos. A sensação era de que Dilma havia se conscientizado de todas as mazelas que havia imposto ao país. A meta fiscal de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano era um sinal de que os tempos de maquiagens nas contas haviam ficado para trás. Ao mesmo tempo, o governo decidiu deixar as cotações do dólar flutuarem com maior liberdade e liberou os preços represados da energia e dos combustíveis. As contas de luz tiveram reajuste médio superior a 50% e a gasolina e o diesel passaram a ter correção mais frequentes nas bombas. Tudo para mostrar que os erros do passado estavam sendo corrigidos.

Foram necessários sete meses para que a realidade se impusesse. O ministro forte que assumiu a Fazenda estava mais fraco do que nunca e o ajuste fiscal não havia saído do papel. A meta de 1,1% do PIB caiu para 0,15% e, agora, já se fala em rombo de 0,85%, ou seja, de mais de R$ 50 bilhões. A desconfiança empurrou o dólar para R$ 4, a recessão se agravou e a inflação passou a caminhar rapidamente para 10%. A crise econômica se juntou às turbulências políticas e a possibilidade de a presidente sofrer um impeachment se tornou real. Um quadro de caos tomou conta do país.

As providências do BC para retomar o controle da inflação se tornaram inócuas. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar este ano próximo de 10% e, para 2016, analistas já falam em 7%, muito além do centro da meta de 4,5% definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Na última quarta-feira, a autoridade monetária manteve a taxa Selic em 14,25% e avisou que não sabe quando poderá cumprir sua missão. Sem um ajuste fiscal consistente, o BC está de mãos atadas. Se elevar os juros, o PIB desabará mais e a situação da dívida se agravará. Caso corte a taxa, estimulará remarcações e piorará as expectativas dos agentes econômicos.

É por isso que estão todos esperando pela carta de Tombini. Ao prestar contas ao país, ele terá que especificar, sem rodeios, quando o custo de vida voltará para a meta. O mercado só vê a inflação na meta em 2019, quando Dilma já estará fora do Paládio do Planalto.

Brasília, 00h10min

Vicente Nunes