ROSANA HESSEL
O texto base do substitutivo do projeto de lei que trata da privatização dos Correios, permitindo à iniciativa privada explorar serviços postais, o PL 591/2021, foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, em sessão extraordinária nesta quinta-feira (05/08). Foram 286 votos favoráveis e 173 contra. Houve duas abstenções e três votos pelo artigo 17.
A oposição bem que tentou adiar a votação do substitutivo do relator, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), mas os requerimentos para a retirada da matéria em pauta foram rejeitados pela maioria liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Os argumentos de que os serviços postais vão ficar mais caros e que as cidades menores de difícil acesso — que não são rentáveis para as operações dos Correios e acabam sendo subsidiadas pelos municípios mais lucrativos — não foram suficientes para evitar a tramitação do projeto com um debate mais amplo com a sociedade. O fato de a empresa ser lucrativa historicamente também foi desprezado pelos parlamentares, inclusive, pelo relator, que no texto do substitutivo onde justificou o motivo da privatização dos Correios disse que a estatal não presta um serviço de qualidade.
“Apesar da estrutura organizacional existente, do ponto de vista da qualidade dos serviços postais, a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) não tem tido uma boa performance, e vem perdendo a aprovação do povo brasileiro. Na verdade, a empresa carece de agilidade, de eficiência, de investimentos e de um planejamento de futuro”, afirmou o parlamentar. “Os números contábeis, financeiros e de efetividade na prestação de serviço demonstram que os Correios brasileiros perderam o viço e não conseguiram se modernizar diante dos desafios da revolução tecnológica que estamos vivendo”, acrescentou.
O projeto prevê que o serviço postal privado será regulado pela Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), que será transformada em Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais (Anatel) e ficará encarregada de assegurar o cumprimento das metas de universalização e de qualidade, além dos critérios de modicidade de tarifas e continuidade dos serviços.
Até a tentativa de incluir emenda para garantir serviços para as municípios menos rentáveis para os serviços postais foi rejeitada pela maioria. A matéria será encaminhada para o Senado Federal, e, se houver alterações, retornará para a Câmara.
Na avaliação da economista e advogada Elena Landau, que foi responsável pelo processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso, o avanço no processo de privatização dos Correios é positivo, contudo reconhece que o governo deverá arrecadar muito pouco com a venda da estatal. “O passivo é muito grande”, alertou.
Críticas
Durante a sessão, parlamentares da oposição criticaram o projeto de privatização dos Correios e defenderam a questão estratégica dos serviços postais, que não são privatizados na maioria dos países, inclusive, os mais ricos, como os Estados Unidos. “Neste momento, esta Casa está destruindo esse serviço esse serviço estratégico, que é direito do serviço postal, que não pode ser negociado no mercado que nem banana”, bradou a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ). A líder da legenda foi uma das principais vozes defendendo a universalização do serviço postal para um país do tamanho do Brasil e que criticou a votação desse projeto no atual momento, alegando que há outras prioridades para a sociedade.
“Duzentos países do mundo têm empresa de correios pública, porque o serviço é estratégico”, afirmou o deputado José Neto (PT-BA), citando que os Correios foram importantes na distribuição de vacinas no país. “Espero que o Senado tenha mais juízo do que a Câmara”, acrescentou.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também questionou a privatização dos Correios, questionando a quem interessa os lucros da estatal e, assim como vários parlamentares destacaram que a empresa foi lucrativa, acumulado R$ 12 bilhões em 20 anos. “Setenta e três por cento do que os Correios vêm lucrando são passados para a União. Somente em 2020, os Correios lucraram quase R$ 1,5 bilhão. Isso demonstra o quanto é lucrativo os Correios. Os Correios se auto sustentam e ainda repassam recursos para a União todos os anos. Os Correios prestam esse serviço a todos os municípios por mais longínquos que sejam e têm a capacidade de prestar esse serviço a toda a população brasileira”, afirmou. “Então, é uma falácia afirmar o contrário disso”, frisou.
A deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), com voz embargada, lamentou a aprovação do PL e afirmou que se sentia traída, mas não conseguiu concluir a fala por problema de comunicação.
Bate boca
Após a aprovação a sessão teve um bate boca entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Henrique Fontana (PT-RS) que tumultuou a sessão. O filho número 03 do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou estar coletando assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendeu a privatização dos Correios e acusou a esquerda de casos de corrupção na estatal e no fundo de pensão dos funcionários, o Postalis. Segundo ele, não faz sentido ter o monopólio e será possível dar a “uma chance para o bom carteiro” de ir para uma empresa que pague melhor”.
Fontana, por sua vez, tomou a palavra e iniciou a fala dizendo que quem tinha acabado de falar representa “um governo envolvido com corrupção que cobra propina de US$ 1 por vacina”, e que, tem uma família que consegue dinheiro para comprar uma casa em Brasília “sem mostrar de onde vem o dinheiro”. O bate boca começou e os microfones foram cortados, mas o tumulto fez o presidente da Casa interromper a sessão momentaneamente e retomá-la em seguida.