CALOTE PARCIAL

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PAULO SILVA PINTO

O dólar abaixo de R$ 3,50 no pregão de ontem é uma clara demonstração do otimismo dos operadores do mercado com a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Se o clima vai continuar assim daqui a uma semana é outra história. Há muita água para passar por baixo da ponte, sobretudo considerando o caudaloso rio da política brasileira em tempos recentes. As apostas, por ora, são de que, na semana que vem, a gangorra estará em uma posição confortável para quem espera mudança.

Ninguém aguenta o aprofundamento da recessão, que se deve, em grande parte, à incerteza política. Dilma no poder significa a continuidade da incógnita: qual será o grau de convicção dela para promover o equilíbrio das contas públicas? Qual a capacidade de conseguir apoio parlamentar para medidas amargas? Tudo isso tende a ser muito baixo, de acordo com a crença predominante entre os que compram e vendem ativos líquidos e valiosos — o que chamamos de mercado financeiro e de capitais.

O problema é que Michel Temer também coleciona perguntas sem respostas. É, por ora, um conjunto de intenções, somado à esperança de que consiga do Congresso o voto de confiança que costuma ser atribuído aos estreantes no Planalto. É fácil prever que o dólar vai se aproximar de R$ 3 caso o impeachment seja aprovado. E que vai passar de R$ 4, talvez mesmo e R$ 5, caso seja rejeitado. Mas nada garante que a gangorra pare depois disso. O otimismo em relação ao novo presidente vai acabar se ele não apresentar soluções em breve.

De Itamar Franco, quando substituiu Collor em 1992, esperava-se o equacionamento da superinflação — que demorou, mas veio, na forma do Plano Real. Temer precisará promover uma solução para o problema fiscal, que pressiona os preços e empaca a economia, desencorajando investidores brasileiros e estrangeiros ao risco, o motor do crescimento.

O problema de um ajuste fiscal é o que costuma ocorrer com muitos tratamentos de saúde. No começo, a impressão é de que o doente piora. Só depois os resultados aparecem. Cortar gastos significa mexer na distribuição de recursos da sociedade, incluindo funcionários públicos, fornecedores do Estado e beneficiários de programas sociais. As medidas nas duas direções precisam ser percebidas como transparentes, justas e eficazes para dar certo. O bônus é garantir que o Estado terá condições de pagar suas obrigações no futuro, o que vai tirar do horizonte os riscos de uma grande desvalorização do real, com disparada da inflação, e de um calote na dívida pública.

Para o diretor da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, um plano robusto de ajuste das contas públicas não é uma opção: é algo indispensável, continue Dilma ou venha Temer. “Precisamos de uma âncora fiscal”, diz o economista, ex-diretor do Banco Central (BC).

Abrir mão do ajuste, ele alerta, significa caminhar para um minicalote da dívida pública. Houve vários nos anos 1980, que os bancos absorveram e repassaram aos clientes sem que eles notassem. O calote parcial mais recente foi o de 2002, quando o valor dos títulos públicos despencou. Houve três razões para isso: o calote dos papéis da Argentina, o crescimento da dívida no governo de Fernando Henrique Cardoso e a perspectiva da eleição de Luiz Inácio Lula Silva. Naquela época, com tantos saques nos fundos de investimento, e diante do risco de os bancos ficarem com prejuízo, foi determinada pelo BC a marcação a mercado dos títulos, o que levou um monte de gente a se assustar com a redução do saldo dos investimentos. “Muitos investidores decidiram sair do país”, conta Freitas.

O temor é de que, com a dívida bruta caminhando para 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos, essa megadesvalorização ocorra de novo. E quem vai pagar a conta são, basicamente, pessoas físicas. Os fundos de previdência detinham 17,7% dos títulos do governo em 2007. Hoje, têm 22,7% do total. Os bancos tinham 37,8% do bolo em 2007. Hoje têm 23,6%. Os não residentes passaram de 5,1% para 17,7%, ou seja, a conta do calote parcial vai ser diretamente sentida por cotistas de planos de previdência e por investidores estrangeiros. A menos que o governo e a sociedade tomem uma atitude.

Brasília, 06h30min

Vicente Nunes