A prisão de Sérgio Cabral é o capítulo mais vergonhoso da história recente do Rio de Janeiro. Ao levá-lo para trás das grades, a Polícia Federal e o Ministério Público puseram fim a uma era de enganação. Os dois mandatos do agora ocupante de uma cela no presídio de Bangu 8 foram marcados pelo sentimento de grandeza do estado, de recuperação da autoestima da população local. Acreditou-se que, depois de anos de derrocada econômica, o Rio finalmente viveria dias de glória. Tudo, porém, foi construído em cima dos pilares da corrupção. Cabral e a quadrilha que ele chefiava saquearam o estado.
Durante os dois governos de Cabral, o Rio foi a grande vitrine da aliança entre o PT e o PMDB. O ex-governador chegou a ser cotado para vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff. O então presidente Lula tinha no peemedebista o seu maior aliado. Essa aliança estratégica foi fundamental para que Cabral instalasse sua máquina arrecadadora de propinas — ou de “oxigênio”, como ele se referia ao adicional que cobrava sobre os contratos firmados pelo governo. O Palácio do Planalto facilitou muito a vida do esquema, que movimentou mais de R$ 220 milhões, ao concentrar obras faraônicas no estado.
Cabral se sentiu tão protegido, acima do bem e do mal, que não se intimidou em debochar da população. Com dancinhas em restaurantes na França, sempre acompanhado de empreiteiros que irrigavam o caixa da corrupção por ele comandado, posava de bom moço, entoando um discurso moralizador. Hábil, construiu uma importante barreira contra todas as denúncias que teimavam em barrar seu caminho. Os eleitores insistiam em lhe dar apoio, seduzidos por uma postura populista. O ex-governador era apontado como aquele que havia conseguido reduzir a violência no Rio por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas, programa que, infelizmente, ruiu com o estado.
Terra arrasada
Cabral, porém, é apenas mais um dos muitos políticos corruptos que passaram pelo governo do Rio. É muito provável que ele tenha como companheiro em Bangu 8 o ex-governador Anthony Garotinho, preso 24 horas antes, mas que ainda não foi para trás das grades alegando estar doente. Quem vive no Rio e tem o mínimo de bom senso sabe muito bem o quanto o estado e, sobretudo, sua capital, entraram em derrocada. Houve um suspiro com o pré-sal, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A realidade, contudo, se mostrou cruel. Nas entranhas do governo, construía-se uma dívida impagável, saqueava-se o sistema de previdência dos servidores e minava-se o que ainda restava da máquina pública.
Os especialistas não têm dúvidas de que a agonia na qual o Rio está mergulhado durará anos. O quadro é de calamidade. Nada funciona. A violência voltou com tudo, os hospitais estão em frangalhos, o sistema educacional colapsou. É difícil pensar na hipótese de reconstrução do estado quando se avaliam os políticos locais. O PMDB de Cabral, do ex-deputado Eduardo Cunha, que está detido em Curitiba, e do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani, deixa qualquer um de boa índole estarrecido. Há o risco, inclusive, de outros integrantes do partido serem presos em outras operações policiais. Nas demais legendas, as lideranças são capengas, despreparadas para assumir o desafio que está colocado.
Como diz um integrante da equipe econômica, o Rio é terra arrasada. Por mais que o governo federal despeje dinheiro no estado a fim de reverter o descalabro financeiro e social, de pouco adiantará, devido à corrupção entranhada na máquina administrativa. O dinheiro de todos os contribuintes continuará escorrendo pelo ralo da corrupção e da ineficiência. “Caberá à população fazer a limpeza que precisa ser feita, seja indo para as ruas, seja escolhendo melhor seus representantes”, diz o técnico. “Levará tempo, mas o povo do Rio terá que aprender a votar”, emenda.
#vaifaltarcadeia
As cenas de prisões de políticos corruptos tenderão a ficar mais comuns no que depender da Polícia Federal e do Ministério Público. A perspectiva é de que a Operação Lava-Jato, que desvendou o esquema de corrupção na Petrobras, esteja, com a prisão de Cabral, entrando em uma nova fase, agora tendo como alvos governos regionais. As empreiteiras que surrupiaram o caixa da maior empresa do país tinham ramificações em quase todos os estados. Foram elas, por exemplo, que executaram as obras dos estádios que sediaram a Copa do Mundo.
“Podem esperar: a temporada de caça de ex-governadores só está começando”, diz um integrante do MP. As delações da Odebrecht, que estão prestes a serem homologadas pela Justiça, serão fundamentais para sustentar as prisões. Há alguns alvos potenciais da PF que saíram de cena acreditando que serão esquecidos. Ledo engano.
Brasília, 06h50min