Cabo de guerra entre Rogério Marinho e Paulo Guedes volta a ser armado

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ROSANA HESSEL

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, armaram novo cabo de guerra, em um claro sinal de que não há entendimento dentro do governo em relação ao Renda Cidadã, programa que o presidente Jair Bolsonaro pretende lançar no lugar do Bolsa Família, porque não tem recursos dentro do Orçamento de 2021 sem que o teto de gastos seja descumprido. Os dois não se bicam há um tempo, principalmente, porque Marinho tenta ocupar o lugar de Guedes desde que deixou de ser seu subordinado. Inclusive, vem realizando reuniões com agentes de mercado buscando mostrar que pode ser um bom substituto para o chefe da equipe econômica.

Em um encontro com um grupo de economistas, realizado nesta sexta-feira (2/10), mas fora da agenda pública de Marinho, um novo atrito entre os dois veio à tona após o vazamento da reunião, especialmente, porque o ministro teria sinalizado a intenção de tirar o Renda Cidadã do teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento das despesas à inflação anterior e que é a única âncora fiscal que sobreviveu à crise provocada pela covid-19.

A informação deixou o ministro da Economia bastante nervoso ao ponto de afirmar que, se Marinho fez essa declaração, existem três definições para ele: “despreparado, desleal e fura-teto”. “Espero que não tenha falado nada”, disse Guedes a jornalistas ao chegar ao ministério.

Logo após a crítica do ministro da Economia, o MDR soltou uma nota na qual informou que as informações sobre a reunião realizada com pequeno grupo de economistas, “chegaram a imprensa de maneira distorcida”.  “A reunião teve o intuito de reforçar o compromisso do governo com a austeridade nos gastos e a política fiscal”, destacou o documento.

No entanto, um economista que ouviu a declaração de Marinho, afirmou ao Blog ministro deixou “mais ou menos claro que o governo está procurando uma saída sem cortar despesas, excluindo o Renda Cidadã do teto de gastos”, ou seja, tentando burlar a âncora fiscal sem dar uma alternativa de uma substituição plausível, o que não agradou nem um pouco os agentes financeiros. Esse tipo de saída via estouro do teto de gastos ou uma flexibilização que não está muito bem explicada, segundo especialistas, mostra que o governo Bolsonaro não tem uma política econômica definida e, muito menos, sabe que linha econômica pretende adotar.

Para os analistas, o maior problema hoje para a economia é a questão fiscal. E se o teto de gastos for flexibilizado em vez de cortar despesas, o governo vai deixar um sinal muito ruim ao mercado, confirmando que não consegue controlar o crescimento da dívida pública, que está próxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar insustentável para qualquer país emergente. Saídas como aumento de imposto, com o vem sendo sugerida pelos integrantes do governo e da ala política mostra o amadorismo do governo em buscar a saída mais fácil para eles conseguirem receita, mas que não ajuda no cumprimento da regra do teto.

Contudo, não é de hoje que o ex-secretário especial da Previdência, Trabalho e Emprego do Ministério da Economia vem criticando o ex-chefe, tentando se cacifar para o lugar de Guedes. As conversas de Marinho com agentes financeiros estão sendo constantes há vários dias, e ele vem tentando convencer os interlocutores de que existe “uma nova política” no governo e que nela o “superministro” de Bolsonaro não tem muita influência e, muito menos, dá as cartas.  O mercado não vê Guedes sendo substituído por Marinho”, disse um economista que ouviu a fala do ministro recentemente.

Após Guedes descartar o uso de precatórios, o chefe do MDR disse ainda recentemente que quem cuida do Renda Cidadã é a ala política do governo e o senador Marcio Bittar (MDB-AC) é o responsável por encontrar a fonte de recursos para o programa.  E Marinho tenta mostrar que existe no governo pessoas que podem despertar confiança no mercado, como Paulo Guedes, que é visto como o defensor do teto de gastos e da linha econômica mais fiscalista. No entanto, o mercado não tem acreditado no discurso de Marinho que, ele e os ministros Braga Neto (Casa Civil) e Tarcisio de Freitas (Infraestrutura) —  que tentaram lançar, sem sucesso, o Plano Pró-Brasil que previa investimentos em infraestrutura, em uma clara guinada desenvolvimentista –, também estão comprometidos com o teto de gastos.

Não à toa, a reação negativa do mercado com a sugestão de financiar o Renda Cidadã com o adiamento no pagamento de precatórios, dívidas judiciais do governo apresentadas por Bittar, ou seja, uma espécie de calote, mostrou que o estouro do teto já está sendo precificado, e, consequentemente, a Bolsa de Valores de São Paulo, vem caindo e o dólar subindo. Guedes, durante o anúncio, não criticou a medida e só se manifestou dias depois de quedas sucessivas na Bolsa, o que fez ele perder pontos com o mercado também. Resta saber até quando Paulo Guedes aguentará as puxadas de tapete e o desgaste na imagem.

Vicente Nunes